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06/11/2018

Radis de novembro destaca 'Direitos para todos os humanos'

Informe Ensp


“Direitos humanos são para humanos direitos”? “Direitos humanos só servem para proteger bandido?” Esses tipos de raciocínio distorcidos ganharam adeptos e são uma tendência no mundo inteiro. É o que debate a matéria de capa da Radis nº 194, de novembro, tendo em vista que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos em dezembro. Para comprovar a tendência, de acordo com pesquisa do Instituto Ipsos divulgada em agosto, seis em cada 10 brasileiros acham que “os direitos humanos apenas beneficiam pessoas que não os merecem, como criminosos e terroristas”. Entre os entrevistados, 21% chegam a se manifestar “contra” à mera existência dos direitos humanos. Outros 28% afirmam: “Direitos humanos não significam nada no meu cotidiano”. Nesse quesito, o número de brasileiros que pensa dessa maneira fica atrás apenas dos ouvidos na Arábia Saudita e na Índia.

A reportagem de Ana Cláudia Peres, com a colaboração de Liseane Morosini, lembra que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto histórico aprovado no dia 10 de dezembro de 1948, em Paris, por 48 votos a 0, durante sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “Em um planeta recém-saído do trauma da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional decidiu assumir, em um documento único, o compromisso com valores básicos do ser humano a fim de impedir que aquele tipo de atrocidade voltasse a se repetir.” Elaborada ao longo de dois anos, a Declaração afirma em seu preâmbulo que “o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros” e propõe “o advento de um mundo em que todos gozem da liberdade de palavra, de crença, e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade”.

Segundo o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. O conjunto de artigos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, uma vez que na prática a violação de um direito vai afetar o respeito por outro. Com essa dimensão, os direitos humanos foram incorporados às leis constitucionais e convenções de 193 países. Sem a barreira da língua — o texto foi traduzido para mais de 500 idiomas —, o objetivo do documento era o de gerar um conjunto de ações e tratados para que os direitos humanos fossem efetivamente assegurados em escala mundial. Setenta anos depois, essa não tem sido tarefa simples.

Considerada por muitos como o marco do processo civilizatório da humanidade, como alerta o sanitarista e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a Declaração se aplica a todos indistintamente, inclusive àqueles que por algum motivo transgrediram a norma legal e cometeram crimes. O artigo 9 assume que “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”, e o artigo 11, que “todo ser humano tem direito, em plena liberdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial”. Mas isso nem de longe pode ser motivo, reforça Temporão, para que uma boa parcela dos brasileiros — 66% ou dois em cada três entrevistados, ainda de acordo com pesquisa da Ipsos — julgue que “direitos humanos defendem mais os bandidos que as vítimas”.

Segundo o ex-ministro, essa visão adulterada pode ser compreendida por fatores como o crescimento constante do número de homicídios que atingiu a marca de mais de 60 mil em 2016, e ainda pelo papel da mídia, que por meio de programas de rádio e televisão de caráter sensacionalista, durante décadas, explorou o tema da violência pelo viés policialiesco. Temporão disse à Radis que também não exime o Estado de sua parcela de responsabilidade. “Da Constituição de 1988 para cá, ainda não tivemos governo que tenha de fato implementado uma política efetivamente inovadora nesse campo”.

Também entrevistada pela Radis, Juana Kweitel, diretora executiva do Conectas, uma organização não governamental que atua no Brasil desde 2001 em defesa da igualdade de direitos, acredita que apesar da expressão vir ganhando um sentido pejorativo e da insistência em associá-la apenas à pauta da segurança, direitos humanos tem que ser algo que diga respeito ao cotidiano. “A gente precisa pensar, falar, discutir, conversar sobre isso rotineiramente para reverter uma realidade que é profundamente desigual”, acredita.

E a saúde com isto? Na mesma pesquisa do Instituto Ipsos, 63% dos brasileiros se declaram a favor dos direitos humanos. E quando perguntado “O que significa direitos humanos para você?”, 13% responderam que significa uma saúde de qualidade. Para Temporão, uma abordagem da saúde baseada em direitos humanos quer dizer, em primeiro lugar, que o direito à saúde plena é um dos componentes centrais desse processo. “Ou seja, a saúde não pode ser entendida nem como mercadoria, a ser colocada no mercado, nem como política pública fragmentada ou focalizada para determinados segmentos da sociedade”, indica. “A saúde, por essa compreensão, não admite qualquer tipo de exclusão ou discriminação”.

Desde 2015, a Ensp/Fiocruz mantém um Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS). A coordenadora do DIHS, Maria Helena Barros, reforça que a discriminação visível ou implícita na prestação de serviços de saúde viola os direitos humanos fundamentais, mas ela argumenta que saúde não deve ser pensada apenas em sua forma biomédica e hospitalar. “Olhar a saúde desde uma perspectiva de direitos humanos é olhar para a violência, a opressão, os vulneráveis”, afirma. “A desigualdade social e tudo o que ela provoca precisam ser entendidos como uma questão de saúde”. A miséria, a fome, a escassez de trabalho, a falta de saneamento básico, o acesso precário à educação, a degradação do meio ambiente são fatores que causam doença e afetam diretamente a saúde das populações.

É consenso entre os especialistas ouvidos por Radis que o resultado da aplicação de todos os direitos humanos deve ser a dignidade. Mas, em momentos de crise, quando o mundo parece relativizar o conceito de dignidade humana, todos aqueles que são diferentes passam a ser tratados como inimigo.

A matéria da Radis conclui que no relatório da Anistia Internacional, Salil Shetty, secretária-geral de direitos humanos da organização, deixa o convite: “[Este ano] oferece uma oportunidade vital de renovarmos o compromisso com a ideia transformadora dos direitos humanos, quando nos perguntamos em que tipo de sociedade queremos viver”. Em que sociedade você quer viver?
 
Leia a matéria na íntegra na Radis nº 194, de novembro de 2018.

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