Relações entre a Fiocruz e a Alemanha são tema de artigo de publicação

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Danielle Monteiro
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As relações entre a Fiocruz e a Alemanha, por meio da figura de Henrique da Rocha Lima, um dos primeiros médicos a compor o grupo de jovens pesquisadores do Instituto Soroterápico de Manguinhos - atual Instituto Oswaldo Cruz - foram tema de artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde  Manguinhos, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Assinado pelo historiador André Felipe Cândido, o estudo, que analisa os primeiros momentos da trajetória profissional do médico, lança luz sobre a importância das relações com o mundo germânico para a medicina experimental, liderada no Brasil por Oswaldo Cruz, em um momento onde a Alemanha figurava como principal centro científico no campo da pesquisa biomédica.

Rocha Lima (primeiro sentado da direita para a esquerd) com Oswaldo Cruz e grupo de cientistas no campus de Manguinhos, entre 1908 e 1910 (Foto: Casa de Oswaldo Cruz)

 

Nascido no Rio de Janeiro em 1879, Rocha Lima, ainda jovem, já demonstrava interesse pelo mundo germânico. Formou-se no colégio Brasil-Alemão, em Petrópolis, e, em 1901, recém-formado em medicina, muda-se para Berlim com a intenção de seguir os passos do pai – Carlos Henrique da Rocha Lima, um dos fundadores da Policlínica do Rio de Janeiro – e especializar-se em clínica. Lá, frequenta o curso de clínica cirúrgica do renomado professor e médico internista Carl Jakob Adolf Christian Gerhard e tem aulas com o higienista Phillip Martin Ficker, do Instituto de Higiene de Berlim. Após concluir os estudos na capital alemã, em 1903, retorna ao Brasil, para trabalhar ao lado de Oswaldo Cruz no Instituto Soroterápico de Manguinhos, onde passa a monitorar os trabalhos científicos e instruir jovens médicos nas ciências de micróbios e vetores. “Ele trouxe na bagagem coleção de culturas bacterianas e preparados histológicos, que constituíram o ‘núcleo original de Manguinhos’”, conta Cândido.

Na época, Oswaldo Cruz liderava a campanha contra a febre amarela. As medidas por ele implantadas, que levaram ao rápido controle da doença, atraem ao Instituto de Manguinhos os especialistas do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, Hans Erich Moritz Otto e Rudolf Otto Neumann. Ao ser registrada pelos dois pesquisadores, a estratégia de combate à doença é, posteriormente, aplicada na colônia alemã do Togo, na África. “A expedição de Otto e Neumann ao Brasil pode ser considerada o primeiro capítulo expressivo da aproximação científica teuto-brasileira no campo da medicina tropical e entre os dois institutos, ligação que, desde então, se mantém bastante forte”, destaca o historiador.

Para complementar seus estudos, Rocha Lima parte novamente para a Alemanha em 1906. Lá, faz um circuito de visitas a instituições de pesquisa biomédica, estudando sua estrutura, modo de organização, além de técnicas empregadas nas pesquisas e rotinas de produção. Mas, o motivo da segunda viagem do jovem médico a Alemanha foi além do desejo de aprofundar seus conhecimentos: “em carta escrita a Oswaldo Cruz, Rocha Lima apresentou a tônica do que seria aquela estada no país – o reclame de Manguinhos, ou seja, o esforço em divulgar a instituição brasileira e as atividades ali desenvolvidas”, observa Cândido. Foi com esse intuito que o jovem médico passa a centrar seus esforços na tentativa de viabilizar a participação brasileira na Exposição e Congresso Internacional de Higiene, previsto para ocorrer em 1907, em Berlim. “Rocha Lima tinha consciência da importância da Exposição como vitrina do que vinha sendo feito em Manguinhos e como porta de acesso à ciência internacional”, conta o historiador.

O esforço de Rocha Lima rende bons frutos: a delegação brasileira, que expôs nas seções de Bacteriologia Geral; Doenças Contagiosas e Vacinação Profilática; Construção de Hospitais e Desinfecção; e Estatísticas de Higiene, de Doenças e de Mortalidade, foi premiada com medalha de ouro entregue pela imperatriz alemã. E o sucesso em Berlim levaria a uma grande conquista para o Instituto Soroterápico de Manguinhos: em retribuição ao êxito obtido no Velho Mundo, o Congresso nacional finalmente aprova o projeto que previa a transformação do instituto em um centro de pesquisas médicas. “O instituto, rebatizado Instituto Oswaldo Cruz no ano seguinte, ficava diretamente subordinado ao Ministério da Justiça, assumindo estatuto equivalente ao da Diretoria-Geral de Saúde Pública. Além da autonomia administrativa, o novo estatuto garantia autonomia financeira, ao liberar a comercialização dos produtos desenvolvidos na instituição”, explica Cândido. Além da criação da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, o novo regulamento permitiu a vinda de importantes nomes da medicina, como Adolpho Lutz, Astrogildo Machado e o patologista Gaspar Vianna. 

Rocha Lima retorna ao Brasil somente em 1928, para atuar no Instituto de Defesa Agrícola e Animal fundado por Arthur Neiva, onde ficaria até 1949. Faleceu sete anos depois, insatisfeito com o pouco reconhecimento das suas contribuições científicas e marcado pela associação com a Alemanha, que, na época, tinha a identidade vinculada às barbáries do nazismo. “Fosse no Brasil ou na Alemanha, sua atividade como cientista envolveria, desde o início, a capacidade de negociar e acomodar interesses e lógicas referentes a universos culturais e sociais distantes. Foi o talento em lidar com os desafios que isso impunha que fizeram de Rocha Lima o mais ativo promotor das relações científicas entre Brasil e Alemanha na primeira metade do século 20”, conclui o historiador.