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25/09/2015

Revista Radis apresenta raio x atualizado do câncer

Ana Cláudia Peres / Radis


Aconteceu durante um exame de rotina. Ela não sabia que carcinoma — aquela palavra extravagante que aparecia no diagnóstico — tinha qualquer coisa a ver com câncer. Foi preciso o médico repetir duas, três vezes, até que Maria Isabel Teixeira, 63 anos, compreendesse que havia algo assustador em sua mamografia. “Mas o doutor foi muito atencioso, segurou na minha mão, explicou que o tumor estava no início, que talvez fosse preciso operar e que ia correr tudo bem”, contou à Radis, cinco anos, duas cirurgias, seis sessões de quimioterapia e 25 de radioterapia depois daquela tarde em maio de 2010.

Dona Maria Isabel engrossa as robustas estatísticas da doença. No Brasil, entre 1990 e 2013, o número de novos casos de câncer de mama quase triplicou: saltou de 24,9 mil para 74,6 mil, de acordo com um levantamento publicado no final de maio por um grupo de pesquisadores no periódico Journal of the American Medical Association (JAMA Oncology), tornando-se o tipo de câncer de maior ocorrência entre mulheres no país, levando à morte 16,2 mil brasileiras. O estudo — intitulado de O Fardo Global do Câncer — traz dados sobre a incidência da doença e números de óbitos em todo o mundo.

Segunda maior causa de morte em termos globais, atrás apenas das doenças coronarianas, o câncer matou, só em 2013, 8,2 milhões de pessoas no planeta — 213 mil delas, no Brasil. Para o professor da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Itamar Santos, que integrou o grupo de pesquisadores envolvidos na elaboração do relatório, o principal fenômeno por trás da ampliação da incidência de cânceres é o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional. “À medida que a proporção de idosos aumenta, doenças mais frequentes nessa faixa etária ganham uma importância maior”, disse, em entrevista à Radis, lembrando que, como as pessoas estão vivendo mais e as causas de óbitos por outras doenças infecciosas vêm caindo em virtude de tratamentos mais efetivos, não é surpresa que o número de casos e mortes por câncer aumente.

Por outro lado, o professor também faz questão de pontuar que os exames diagnósticos para câncer se tornaram mais sensíveis e acessíveis, o que explicaria em parte o aumento do número de casos detectados. “O câncer hoje é, em boa parte dos casos, uma doença curável e não deve ser encarada como uma sentença de morte”, sugere. Para a personagem que abre esta reportagem, foi um sobressalto, uma adversidade; nunca desespero. “Essa é uma doença ingrata, muito difícil, mas não achei que fosse morrer em nenhum momento”, diz Maria Isabel. Moradora de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, ela agora faz apenas o controle pós-tratamento, com exames a cada seis meses, no Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), mesmo local onde realizou todo o tratamento. Em um dia comum, tem aulas de pintura em gesso e em tecido; noutros, faz bijuterias. Perdeu a timidez. Está prestes a realizar o seu maior sonho: “Vou conquistar a minha casa própria”, avisa aos que conversam com ela sob o pretexto da doença.

Câncer, Karkinos, caranguejo

O câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo, no que ficou conhecido como metástase. Dividindo-se rapidamente, e de maneira incontrolável, as células determinam a formação de tumores ou neoplasias malignas. À diferença destes, um tumor benigno significa simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco à vida.

A origem da palavra vem do grego karkinos, que significa caranguejo. Consta que foi usada pela primeira vez por Hipócrates, o pai da Medicina, para descrever um tumor com vasos sanguíneos inchados à sua volta, imagem que lhe pareceu a de um caranguejo com as patas abertas. Isso explica por que o nome da doença é o mesmo do marisco que, por sua vez, também batiza o signo do zodíaco e a constelação de Câncer. Seu aparecimento como doença remonta ao ano 2600 antes de Cristo — um papiro egípcio relata a existência de 48 doenças, uma delas definida como “massas salientes no peito e que se espalham pelo peito”, o que, para Siddhartha Mukherjee, autor de “O Imperador de todos os males — uma biografia do câncer”, é a descrição do câncer de mama.

Mas, antes de tudo isso, há outras três coisas que precisam ser ditas sobre o câncer, a doença, como ensina a professora Gulnar Azevedo. Em seu gabinete, no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), a pesquisadora enumera: “Em primeiro lugar, é preciso saber que muitos cânceres podem ser prevenidos, evitados. Segundo, quando detectados precocemente, outros podem ser tratados e curados. E, por último, para aqueles casos de tumores mais letais, ainda assim há muito a ser feito a fim de garantir que os pacientes tenham uma melhor qualidade de vida”.

Hoje, sabe-se que o câncer está vinculado a causas múltiplas, que vão desde a suscetibilidade genética até a condições determinadas por cultura, modos de vida e pelo ambiente. De acordo com a professora Gulnar, uma referência no assunto, o câncer vem aumentando por inúmeros motivos relacionados a fatores de risco associados à vida urbana, à industrialização, à poluição atmosférica, ao sedentarismo, ao tabagismo e à obesidade, entre outros. “Envelhecer não dá câncer. Mas à medida que as pessoas envelhecem, elas também ficam mais tempo expostas a esses fatores de risco”, diz ela. “Se a gente vivesse em condições ideais, onde tais fatores fossem controlados, provavelmente as pessoas morreriam menos de câncer”.

Estimativas

Para 2015, estima-se que ocorram no Brasil aproximadamente 576 mil casos novos de câncer. Os dados integram um levantamento realizado pelo Inca a cada dois anos. Intitulada Estimativas, a publicação atualiza e contextualiza os dados sobre a doença no Brasil e reúne informações válidas para o biênio. Este ano, o câncer de pele do tipo não melanoma será o mais incidente na população brasileira: 182 mil casos novos, seguido pelos tumores de próstata (69 mil), mama feminina (57 mil), cólon e reto (33 mil), pulmão (27 mil), estômago (20 mil) e colo do útero (15 mil).

Sem considerar os casos de câncer de pele, o relatório aponta para a incidência de 395 mil casos novos: 204 mil para o sexo masculino e 190 mil para o feminino. Em homens, os tipos mais incidentes serão os cânceres de próstata, pulmão, cólon e reto, estômago e cavidade oral; e, nas mulheres, os de mama, cólon e reto, colo do útero, pulmão e glândula tireoide. Guardadas as devidas proporções e especificidades, os dados no Brasil refletem os números mundiais. Em fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu que o mundo corre o risco de enfrentar um “maremoto” de casos de câncer nos próximos anos. Até 2035, o número de novos casos pode chegar a 24 milhões.

Apesar desse alarme, mais do que um inimigo feroz e ameaçador, o câncer deve ser visto como um problema de saúde pública a ser combatido com múltiplas ações, como preconiza o relatório do Inca, o que inclui trabalhos de educação para saúde; prevenção orientada para indivíduos e grupos; geração de opinião pública; apoio e estímulo à formulação de legislação específica para o enfrentamento de fatores de risco relacionados à doença; e fortalecimento de ações em escolas e ambientes de trabalho. Para Gulnar, o câncer é um problema de todos. “O acesso ao tratamento no Brasil está aumentando mas a conscientização em torno do assunto ainda está muito longe de acontecer”, diz. “O desafio é pensar uma rede de articulação de políticas de saúde, educação, comunicação para construir uma rede de enfrentamento do problema”.

Leia a reportagem completa.

Confira, na íntegra, a edição de agosto da Radis.

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