Início do conteúdo

09/05/2014

Seminário Fiocruz-Aviesan: novos caminhos para tratamento de Alzheimer, Parkinson e depressão

Maíra Menezes


Para especialistas brasileiros e franceses reunidos no encontro ‘Fiocruz-Aviesan: seminar on neuroscience’, os avanços no conhecimento sobre mecanismos genéticos e moleculares de doenças neurodegenerativas devem proporcionar melhorias significativas no tratamento destas patologias nos próximos anos. Novidades nas pesquisas sobre Alzheimer, Parkinson e depressão estiveram entre os temas debatidos no primeiro dia do evento, que também abordou aspectos genéticos de doenças infecciosas. Realizado nos dias 5 e 6 de maio, o seminário recebeu mais de 200 inscrições e contou com 16 palestras. O encontro foi realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com a Aliança Nacional para as Ciências da Vida e da Saúde (Aviesan), que reúne as principais instituições francesas de pesquisa biomédica.

Realizado nos dias 5 e 6 de maio, o seminário recebeu mais de 200 inscrições e contou com 16 palestras (foto: Gutemberg Britto)

 

Desafio na busca por medicamentos contra Alzheimer

O recente fracasso em testes clínicos de duas drogas desenvolvidas para tratar a doença de Alzheimer não desanima Frédéric Checler, pesquisador do Instituto de Farmacologia Molecular e Celular da França (IPMC, na sigla em francês) e ex-presidente da Liga Europeia contra a Doença de Alzheimer. Durante o evento, ele defendeu que a principal hipótese sobre o mecanismo causador da doença, a chamada cascata amiloide, continua válida e deve ser estudada ainda mais profundamente para o desenvolvimento de futuras terapias. Segundo ele, talvez o problema esteja nos alvos de ação escolhidos para estas drogas.

A hipótese da cascata amilóide foi proposta em 1992, após a descoberta de que placas observadas no cérebro de pessoas doentes – descritas pelo médico alemão Alois Alzheimer em 1909 – são formadas por peptídeo beta-amiloide e alterações genéticas que aumentam a produção deste fragmento de proteína estão ligadas ao aparecimento precoce da patologia. No entanto, em janeiro deste ano, foram publicados estudos mostrando que duas drogas inibidoras da formação de beta-amiloide falharam na penúltima fase dos testes clínicos e não conseguiram interromper o avanço da doença em pacientes.

Para Checler, o fracasso dos medicamentos testados evidencia um erro no alvo escolhido, que não deveria ser o beta-amiloide. Segundo ele, testes em laboratório mostram que o fragmento de proteína gerado imediatamente antes da produção do peptídeo é extremamente tóxico. Pequenos derivados de beta-amiloide também têm efeito negativo sobre o organismo. 

“De fato, todas as pessoas produzem beta-amiloide e dificilmente a natureza criou uma proteína apenas para gerar a doença de Alzheimer. O beta-amilóide pode até ter uma função protetora e, por isso, tê-lo como alvo de tratamentos pode não ser tão bom. Mas deve haver alguma substância gerada a partir do beta-amiloide, que é tóxica e específica da doença. Se conseguirmos identificar um destes fragmentos como gatilho do Alzheimer, então saberemos quais são os alvos importantes para direcionar novas terapias”, afirma o neurocientista, que acredita que uma droga eficiente para interromper a evolução da doença deve estar disponível nos próximos 10 a 15 anos.

Atuação de antidepressivos em pauta

O tratamento da depressão, doença que atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo, ainda está longe do ideal. Um dos palestrantes do seminário ‘Fiocruz-Aviesan’, o pesquisador Frederico Rogério Ferreira, do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC/Fiocruz, afirma que para buscar substâncias mais efetivas no tratamento da depressão é preciso conhecer melhor os mecanismos neurobiológicos da patologia. Segundo o especialista, estudos clínicos indicam que apenas dois anos após a suspensão das medicações, metade das pessoas com transtorno depressivo maior (a forma mais grave da doença) volta a sofrer com o problema. Em até dez anos, a recaída atinge a maioria dos pacientes.

“Provavelmente, as drogas atuais não estão tratando a depressão em si, mas sim algum mecanismo associado ao quadro e que consegue levar a benefícios em relação aos sintomas. Ainda existem genes e processos moleculares que precisam ser investigados para entender melhor a doença e assim propor estratégias mais adequadas para o tratamento”, avalia o biólogo. 

No seminário, Ferreira apresentou um estudo sobre o papel da calmodulina na atuação de medicamentos contra a depressão. Segundo ele, esta proteína foi escolhida pela relevância na sinalização entre neurônios. Entre outros resultados, a pesquisa feita em camundongos mostrou que o bloqueio da calmodulina anula o efeito de drogas como a imipramina, antidepressivo muito receitado na prática clínica, o que indica que esta proteína pode estar envolvida no mecanismo molecular de atuação do medicamento.

Novas alternativas de tratamento do Parkinson

Em janeiro deste ano, o sucesso nas primeiras fases de testes clínicos de uma terapia genética para Parkinson aumentou a esperança dos portadores da doença, que atinge cerca de seis milhões de pessoas em todo o mundo. Quinze pacientes participaram de testes de fase 1 e 2  com o medicamento ProSavin. Em artigo publicado na revista The Lancet, os pesquisadores apontaram que, além de se mostrar seguro, o tratamento teve efeito positivo sobre a capacidade motora. Durante o seminário ‘Fiocruz-Aviesan’, um dos autores do estudo, o diretor do Centro de Pesquisa em Imagem Molecular (MIRCen) do Comissariado de Energia Atômica francês (CEA), Philippe Hantraye, discutiu as dificuldades encontradas para levar os avanços da neurociência obtidos em laboratório até os pacientes.

Desenvolvido pela companhia farmacêutica Oxford Biomédica, o ProSavin utiliza vírus modificados como uma forma de introduzir, dentro dos neurônios, genes que acionam a produção de dopamina. A redução da substância no cérebro, ocasionada pela morte de neurônios, é justamente uma das características da doença de Parkinson.

Segundo Hantraye, testes em macacos mostraram efeito superior ao tratamento tradicional da doença. Porém, foi preciso superar obstáculos para adequar a técnica aos pacientes. “Em alguns casos, os vírus que usamos nos testes em animais atuam de forma diferente em humanos. Alguns dos vírus mais eficientes para transmitir os genes podem produzir resposta imunológica grave nas pessoas. Precisamos encontrar o vetor certo para cada espécie e torná-lo seguro”, explicou o neurobiologista. Embora não seja uma cura para a doença, a expectativa é de que a terapia genética consiga controlar os sintomas da patologia, sem os efeitos colaterais das drogas usadas atualmente.

Fatores genéticos em doenças infecciosas e neurodegenerativas

Encontrar conexões entre doenças infecciosas, autoimunes e neurodegenerativas é um dos objetivos do trabalho apresentado no seminário ‘Fiocruz-Aviesan’ pelo pesquisador Milton Ozório Moraes, do Laboratório de Hanseníase do IOC. Ele mostrou que a infecção por Mycobacterium leprae – agente causador da doença – é facilitada pela ativação de um grupo específico de genes, que são induzidos pela substância interferon tipo 1 – um mecanismo que também está presente em outras doenças.

“Algumas drogas que são utilizadas para tratamento de determinada patologia também poderiam funcionar para outras, porque inibem respostas semelhantes do organismo. Porém alguns medicamentos nunca foram testados, porque pensamos que a hanseníase é uma doença infecciosa e basta matar a bactéria para curá-la. Mas não é bem assim”, afirma Moraes.

Em infecções virais, já foi observado que a via do interferon tipo 1 ativa uma resposta imune que provoca a destruição do material genético dos vírus. No entanto, esta reação é inócua no caso de bactérias e micobactérias. A M. leprae ‘engana’ o organismo, provocando uma resposta imune semelhante à que um vírus provocaria. Na equação, entra também a resposta individual de cada paciente. “O risco de adoecer não está associado unicamente à exposição ao agente infeccioso. Existe uma influência genética, inerente a cada indivíduo. Algumas pessoas são mais suscetíveis a infecções, outras a doenças cardiovasculares e outras a patologias neurodegenerativas”, explica Moraes.

Voltar ao topo Voltar