19/08/2020
O webinar Painéis de Indicadores sobre a Pandemia de Covid-19, promovido pela Fiocruz, na última segunda-feira (17/8), pôs em foco as limitações das diferentes formas de monitoramento da epidemia no Brasil e os avanços que precisam ser desenvolvidos. Os participantes reforçaram a importância de se dar um passo além dos números básicos, incrementando-os (em quantidade e qualidade) para reforçar a vigilância epidemiológica.
De acordo com levantamento feito pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), há 156 diferentes painéis de monitoramento da Covid-19 no mundo, usando diferentes escalas e indicadores. Mas os participantes do webinar alertaram que, aqui no Brasil, estamos usando ferramentas desenvolvidas quase uma década atrás. E que a realidade mostra que precisamos de sistemas mais completos e integrados para atender às necessidades que a epidemia impõe. Inclusive usando tecnologias e ferramentas novas, como Big Data e sinais de GPS nos celulares de milhões de pessoas.
O chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes, foi o coordenador do debate. Ele abriu o webinar lembrando que os diferentes painéis sendo utilizados no Brasil seguem a “lógica do acompanhamento” — o que é pouco. “Temos que aprofundar essa lógica. Precisamos levar em conta as características de vulnerabilidade da nossa população, nos mais diferentes segmentos. A tarefa fundamental é a vigilância em saúde – fazer diagnóstico, testagem, rastreamento de contatos, isolamento quando necessário. Assim como orientar o sistema de saúde, de maneira que possa atender melhor. Os painéis precisam caminhar nessa direção. Quanto mais capilaridade de informação, melhor”, analisou.
Realidades muito diversas
Sanitarista e vice-diretor do Icict/Fiocruz, Christovam Barcellos fez apresentação mostrando a dinâmica da epidemia em diferentes países e regiões. “Ao contrário do que imaginávamos no início, os países não seguiram tendências semelhantes da curva de crescimento da Covid-19, tanto em casos quanto em óbitos. Enquanto na Europa houve crescimento rápido e descenso lento, em países como Brasil, México, Colômbia e Argentina o crescimento foi muito lento e não há ainda sinais de queda. O Brasil tem uma diversidade de clima enorme e uma desigualdade social gigantesca, além de fatores de risco [que acometem a população], como a hipertensão e a tuberculose. Os dados que estamos produzindo são insuficientes para a tomada de decisões contra a epidemia”, destacou Barcellos.
O sanitarista reforçou o alerta de Valcler para a necessidade de que os painéis de monitoramento evoluam para a produção de indicadores de vigilância epidemiológica. Deve-se levar em conta não apenas os registros dos doentes que procuraram o sistema de saúde, mas também as pessoas mais vulneráveis, os assintomáticos, os que se curaram e os que se recuperaram. “Indicadores de mobilidade também seriam importantes, para ver o grau de exposição a que a população está se submetendo. Além disso, para analisar o grau de infecção, teríamos que fazer testes e divulgar os resultados agregados”, acrescentou.
Barcellos defendeu a ampliação dos indicadores atuais, mas reconheceu que isso é um grande desafio. “A variedade de dados a serem monitorados é muito grande. As medidas de isolamento e de flexibilização, por exemplo, precisam ser levadas em conta, estudadas. Precisamos ter indicadores das internações, das doenças respiratórias agudas (SRAG), dos leitos disponíveis e dos profissionais necessários em cada leito, dos testes realizados e positivados e até mesmo dos insumos utilizados. E não basta apenas notificar números absolutos, precisamos produzir dados sobre surtos, sobre grupos populacionais envolvidos.”
Necessidade de modernização
O representante do Painel do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Nereu Henrique Mansano, destacou a importância de que os indicadores abranjam detalhes dos diferentes grupos e segmentos. “A epidemia ocorre das mais diferentes formas, em diferentes lugares. O risco é diferente não só entre regiões, mas até mesmo dentro de uma mesma cidade. Por isso, é importante não quantificar apenas óbitos e casos, mas também conhecer melhor o perfil desses eventos, para identificar as vulnerabilidades. Isso só é possível com análise detalhada feita pelos sistemas de informação.”
O representante do Conass disse que a sociedade brasileira está passando por um processo de “naturalização da tragédia, como se 107 mil mortos fossem uma coisa normal”, e que os painéis de monitoramento e a comunicação dos dados precisam encarar a difícil tarefa de refletir a dimensão humana, social e familiar do que estamos vivendo. Nereu também enfatizou a necessidade de modernização dos sistemas de acompanhamento no Brasil. “Os sistemas de informação que utilizamos são arcaicos. A epidemia está mostrando a falta de prioridade para o sistema de informação da vigilância em saúde. O [Sistema de Informação de Vigilância da Gripe] Sivep-Gripe foi organizado na época da H1N1 e ficou o mesmo até hoje. Na verdade, o que precisamos é de um único sistema de informação integrado para todas as doenças de notificação compulsória”, defendeu.
Olhar para os territórios
O diretor do Icict/Fiocruz, Rodrigo Murtinho, destacou a importância política dos painéis de informação em saúde e da divulgação de seus dados para a sociedade. “Eles representam um indicador para entender o grau de democracia das sociedades. É fundamental a visibilidade das informações dos painéis, inclusive daqueles que vêm sendo produzidos pela sociedade civil, através de grupos sociais e favelas, em áreas de populações vulneráveis, onde a incidência de Covid-19 é maior. Eles fornecem dados relevantes para os gestores públicos, pois realidades distintas exigem estratégias diferentes”, afirmou.
O representante do Painel do Consórcio de Veículos de Imprensa, Daniel Bramatti, não pôde participar do webinar. Ele foi substituído no debate por Carlos Freitas, pesquisador do Centro de Conhecimento em Saúde Pública e Desastres da Fiocruz, que defendeu a integração da vigilância epidemiológica com a atenção primária à saúde. “Hoje, a atenção primária não tem nenhum retorno sobre o que acontece com os pacientes que seguiram para internação, por exemplo. Também é importante integrar as informações territorializadas, de grupos e setores censitários, cruzando dados demográficos e sociais, para identificar melhor as populações atingidas pela epidemia”.
No encerramento do encontro, Christovam Barcellos lembrou que os painéis muito em breve terão que lidar com um fato novo: a vacina para o novo coronavírus. “Daqui a alguns meses teremos que incluir o monitoramento da cobertura de vacinação, como já acontece em todas as demais doenças que têm vacinas, como sarampo e meningite. A vacinação exige ações de controle em vigilância de saúde, coletando e analisando dados sobre os efeitos adversos, a cobertura e a própria efetividade da vacinação, entre outros”, completou.