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10/03/2023

Seminário aponta que saúde da mulher exige abordagem ampla e interministerial

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)


A cada hora, uma mulher sofre algum tipo de violência no país. E a cada dia mais de uma é vítima de feminicídio. Os dados trazidos pela ministra da Saúde e ex-presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, foram um convite à reflexão nos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde, que o Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) organizou na última quinta-feira (9/3). Esta edição especial, que teve por tema Mulher e saúde global, mostrou que a questão deve ser abordada de forma abrangente, em suas várias frentes, e que envolve ainda desigualdades econômicas, sociais e raciais, e, sim, a violência.

Direitos sexuais e reprodutivos, mortalidade materna, acesso a atendimento médico, assassinato por gênero, salários mais baixos. Todas essas agendas se cruzam e devem ser abordadas em ações interministeriais, explicou Nísia, em um vídeo gravado especialmente para o evento, que marcou o Dia Internacional das Mulheres, comemorado na véspera. 

“É visão do Ministério da Saúde o cuidado integral às mulheres, da infância ao envelhecimento. São agendas que colocam o tema dos direitos humanos, da dignidade e de uma retomada de políticas importantíssimas que já foram pauta nos Ministérios da Saúde, das Mulheres, da Igualdade Racial e em outras pastas do governo”, disse a ministra. “Não podemos nos calar, e também devemos pensar que as questões de gênero são agravadas pelas desigualdades de raça: as mulheres mais atingidas são as negras e as indígenas”.

Mulheres na Saúde

Nísia destacou que hoje 60% dos trabalhadores da saúde são mulheres, ou seja, mais de dois milhões de profissionais no setor, e que o Ministério está trabalhando em um programa para valorizá-las. A ministra indicou ainda a necessidade da presença de mais mulheres em postos de gestão. “Muitas vezes, quando me perguntam se me orgulho de ter sido a primeira mulher a presidir a Fiocruz e a primeira ministra da Saúde, digo que sim, com certeza. Mas ao mesmo tempo vem uma grande preocupação com esse teto que precisamos furar. Não é possível que não tenhamos mais mulheres em posições de alta gestão”, disse.

Essa abordagem interministerial foi reforçada pela assessora especial do Ministério da Mulher, Tais Santos. Na verdade, “é uma transversalidade que envolve ações que devem ser discutidas não só entre ministérios, mas também com empresas públicas e parceiros, além de estados e municípios”, pontuou. 

Tais ressaltou que uma ideologização no governo anterior teve impacto negativo na área de saúde da mulher. Ela destacou as políticas recém adotadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a própria criação do ministério, que antes tinha status de secretaria. A assessora especial lembrou que muitas mulheres desconhecem seus direitos, como leis que garantem atendimento integral às vítimas de estupro, com prevenção de gravidez indesejada, de doenças sexualmente transmissíveis e apoio psicológico. “Muitas meninas não sabem, e buscam apenas a ajuda de familiares ou da polícia. Só chegam ao sistema de saúde com as consequências dessa violência”.

A face amarga da desigualdade

O seminário, transmitido em português, espanhol e inglês, não se limitou à questão no Brasil. A ministra da Saúde da Argentina, Carla Vizzotti, comentou que após a legalização do aborto em seu país, em 2020, a taxa de mortalidade de mulheres na interrupção da gravidez caiu 40% em dois anos. A Argentina conta ainda com o Programa dos Mil Dias, que prevê a ajuda do Estado durante a gravidez e os primeiros anos de vida das crianças. Ela destacou ainda a retomada da sinergia entre Brasil e Argentina.

A diretora regional do Fundo de População das Nações Unidas na América Latina e Caribe, Susana Sottoli, mostrou a situação na região e como as desigualdades produzem impacto sobre a saúde das mulheres. O UNFPA é o responsável pela questão da saúde sexual e reprodutiva na ONU. Susana contou que 200 mulheres morrem por dia de causas preveníveis no parto e na gravidez. “A morte mostra a face amarga da desigualdade”, disse. “Nem todas as mulheres estão expostas aos mesmos riscos. Os países com maiores populações indígena e negra têm maior taxa de mortalidade materna”, acrescentou.

Meninas prostituídas nas fronteiras 

Ex-cônsul geral do Brasil na Guiana Francesa, a diplomata Ana Beltrane trouxe o relato de seu livro O passeio de Dendiara ao falar sobre A voz esquecida das meninas-mulheres das fronteiras remotas do Brasil. O livro se baseia num caso em que foi chamada pela polícia para ajudar: uma menina brasileira de 10 anos aparecera grávida e doente nos arredores de Caiena. Depois de um longo trabalho para ganhar a confiança da criança, ela descobriu que Dendiara fora dada por sua mãe a uma mulher que prometera criá-la. A menina, no entanto, acabou trabalhando como prostituta num garimpo. Na tentativa de localizar a chamada “madrinha”, que agenciava a menina, e o garimpo, a diplomata conheceu a realidade local, os barcos de prostitutas que seguiam pelo rio, ora parando em áreas de mineração ilegal no Brasil, ora na Guiana Francesa e no Suriname. “Dendiara é fruto da pobreza extrema e da riqueza do garimpo. As meninas são baratas para as ‘madrinhas’, que cobram aos homens em ouro e dão apenas chocolate para elas”, contou Ana. 

O seminário teve a mediação da coordenadora-geral adjunta de Educação da Fiocruz, Eduarda Cesse, e a apresentação de Paulo Buss, coordenador do Cris/Fiocruz, além de um clip de Maíra Garrido com a canção Meu próprio deus.

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