15/06/2018
Vinicius Ferreira (IOC/Fiocruz)
Uma tecnologia baseada em análises químicas por raios infravermelhos capaz de agilizar em até 18 vezes e de baratear em até 116 vezes o monitoramento da presença do zika em mosquitos Aedes aegypti. Essa é a nova aposta de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) para aperfeiçoar a vigilância da circulação do vírus. Conhecida como ‘espectroscopia no infravermelho próximo’, a técnica é simples, tem alta taxa de precisão e dispensa o uso de reagentes: atributos que a tornam uma alternativa potencial ao tradicional método de análise genética adotado para a mesma finalidade, conhecido como qPCR.
Amplamente aplicado pela indústria farmacêutica, na agricultura e na medicina, o infravermelho é alvo de estudos de um grupo de cientistas do IOC/Fiocruz, da Austrália e dos Estados Unidos. O objetivo foi comprovar a eficácia do método para uso em insetos, em especial, na detecção de vírus como dengue, zika e chikungunya. Devido à recente emergência sanitária relacionada ao zika no país, este foi o primeiro patógeno investigado pelo grupo. Os resultados preliminares são animadores e acabam de ser publicados na revista científica Science Advances.
A primeira etapa do estudo exigiu a calibração do equipamento de infravermelho para que fosse capaz de distinguir mosquitos Aedes infectados de mosquitos não infectados com o vírus. Para isso, foram utilizadas 275 fêmeas criadas em laboratório. Divididas em dois grupos, metade foi alimentada com sangue com zika – proveniente da linhagem circulante no país, isolada, em 2015, pelo Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC/Fiocruz. A outra metade das fêmeas, que funcionou como grupo controle, recebeu sangue não infectado.
Para realizar os testes, os pesquisadores esperaram dois intervalos de tempo: 4 e 7 dias após a alimentação com sangue. A tecnologia de infravermelho foi usada para captar a intensidade de radiação da região do tórax e da cabeça dos mosquitos. “É no tórax que estão localizadas as glândulas salivares do Aedes. A verificação da cabeça permite constatar se ocorreu disseminação do vírus no corpo do mosquito depois da ingestão do sangue infectado. Isso é importante porque o Aedes apenas transmite o vírus na medida em que é capaz de liberá-lo na saliva durante a picada”, explica Rafael Freitas, pesquisador do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC/Fiocruz e coordenador da participação brasileira no estudo. Neste teste, a precisão do infravermelho ultrapassou 95%.
Na sequência, mais experimentos. Dessa vez, foram utilizadas 412 fêmeas de Aedes. Enquanto metade recebeu sangue com zika, a outra metade cumpriu o papel de grupo controle. Neste segundo teste, além da análise na cabeça e tórax, também foi examinado o abdômen do inseto aos 4, aos 7 e aos 10 dias após a infecção. A verificação do abdômen é importante na medida em que o intestino médio se trata do primeiro órgão do mosquito a entrar em contato com o vírus após sua ingestão durante um repasto sanguíneo. Novamente, resultados positivos: a taxa de acurácia em relação à cabeça e ao tórax alcançou 97%; para o abdômen, 88%. “Notavelmente, a sensibilidade do ensaio é alta. O índice do abdômen pode ter apresentado uma taxa menor de acurácia, no entanto, precisamos levar em conta que esta parte do inseto não foi analisada no primeiro teste”, comemora Márcio Galvão Pavan, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária que atua no mesmo Laboratório.
Melhor custo x benefício
Em comparação ao método tradicional, considerado de alto custo, demorado e invasivo, a nova técnica apresenta características proporcionalmente opostas. Considerando o custo dos reagentes utilizados no RT-qPCR e a remuneração paga a um profissional que precise analisar, por exemplo, 100 amostras, a técnica de infravermelho – que dispensa o uso de reagentes – apresenta um custo 116 vezes menor. Além disso, o novo método é capaz de processar o mesmo número de exemplares em apenas 50 minutos, contra 900 minutos do método tradicional: isso o torna 18 vezes mais rápido.
“Toda a relação custo x benefício da nova técnica frente à tradicional se torna ainda mais expressiva quando levamos em conta que, devido à burocracia para a compra e recebimento de reagentes importados, esses itens muitas vezes demoram a chegar, atrasando a capacidade de resposta de um laboratório”, enfatiza Lilha Maria Barbosa dos Santos, que atua no projeto enquanto estudante de doutorado do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC/Fiocruz, sob orientação do pesquisador Rafael Freitas.
Próximos passos
Antes da implantação da técnica na rotina de análises, os cientistas precisarão incluir testes em mosquitos Aedes aegypti coletados na natureza já que, até o momento, foram realizados testes em condições artificiais, com a infecção do mosquito provocada em laboratório. A previsão é de que a técnica também seja avaliada para outros vírus, como dengue e chikungunya, assim como para a detecção do parasito causador da malária. As mudanças químicas que influenciam as diferenças observadas em insetos infectados e não infectados é outro ponto a ser compreendido. “Com essa tecnologia, o IOC e outros institutos de ciência e saúde serão capazes de responder de forma mais acelerada, e com menor custo, a diversos problemas de saúde pública”, finaliza Freitas.
Financiamento
O trabalho foi financiado pela Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos; programa Stars in Global Health, do Canadá; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).