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20/03/2015

Tese analisa centro de pesquisas que teve atuação polêmica no controle da natalidade

Ricardo Valverde


O historiador Marcos Jungmann Bhering acaba de defender a tese Controle da natalidade no Brasil: um estudo sobre o Centro de Pesquisas e Assistência Integral à Mulher e à Criança (1975-1994), no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). No trabalho, Bhering analisa o trabalho do Centro de Pesquisas (CPAIMC), instituição que esteve envolvida em polêmicas e chegou a ser acusado de promover esterilizações em massa naquela época. O CPAIMC acabou sendo alvo de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito por parte do Legislativo federal e, após começar a apresentar dificuldades financeiras, fechou suas portas em 1994. O Centro foi criado no Hospital Escola São Francisco de Assis, ligado à UFRJ. O autor da tese defende que o CPAIMC se caracterizou como um espaço ambivalente em que postulados de atenção primária em saúde, integralidade e atendimento às populações marginalizadas conviviam com um projeto de controle populacional sob a influência de entidades internacionais envolvidas com projetos de controle demográfico, principais financiadoras de suas atividades.

Na primeira parte de seu trabalho, Bhering aborda a formulação da percepção de que o mundo passava por um excesso populacional que levava à organização de entidades internacionais engajadas em frear o crescimento populacional dos países do que se chamava então de Terceiro Mundo. Ele também analisa a recepção dessa tese no Brasil a partir da visão de economistas, da Igreja e de médicos ginecologistas obstetras. No segundo capítulo, o historiador trata da estrutura de funcionamento e do financiamento do CPAIMC, assim como o seu fim. O terceiro trata dos fundamentos ideológicos que justificavam a existência do CPAIMC, tendo como foco a figura do diretor-geral Hélio Aguinaga. Por fim, ele aborda os movimentos de oposição ao projeto do CPAIMC e a já referida CPMI no início da década de 1990, que culminaram na criação da Lei de Planejamento Familiar, em 1996.

Bhering também narra a trajetória de Hélio Aguinaga. Para o autor, o diretor-geral “de um lado clamava por um engajamento imediato na promoção do planejamento familiar em larga escala, por meio de todos os recursos contraceptivos disponíveis, com vistas à redução da fertilidade e a frear o crescimento populacional. De outro, manifestava preocupação em levar às populações marginalizadas serviços de saúde populares, não elitistas, no nível de cuidados primários”. Segundo Bhering, esta dupla percepção acerca do planejamento familiar e da saúde para populações “marginalizadas” permeou as atividades do CPAIMC. O Centro de Pesquisas foi criado por Aguinaga em 1971, mas só entrou efetivamente em operação quatro anos mais tarde. E, ao longo de seus 19 anos de existência, a instituição fez quase 25 mil cirurgias de esterilização permanente.

O autor retrocede um pouco, até a década de 1950, para contar como, após a Segunda Guerra Mundial, o tema da população emergiu como essencial nos debates sobre desenvolvimento econômico. “Para um país prosperar, era necessária uma quantidade ideal de pessoas que dispusesse dos recursos produzidos internamente. Quanto maior a população de um país, maior a necessidade de dividir os recursos produzidos e, em consequência, ocorreria a expansão da pobreza”, assinala Bhering.

Esse fato, segundo o autor, “afetava especialmente os países pobres do mundo, também chamados de subdesenvolvidos, com altas taxas de natalidade, o então chamado terceiro mundo. A preocupação que mobilizou muitos países do chamado primeiro mundo, em especial os Estados Unidos, era de que a médio e longo prazo, o excesso populacional ultrapassaria as fronteiras do terceiro mundo e se tornaria um problema global. Este foi o leit motiv que levou diversas entidades internacionais a promoverem uma cruzada para a contenção das taxas de natalidade dos países periféricos”.

Bhering lembra que áreas do conhecimento como as ciências sociais e antropologia, demografia, biologia, medicina, ecologia, reprodução humana, química, entre outras, sofreram importante influência da preocupação com o excesso populacional, recebendo financiamento para o desenvolvimento de pesquisas de governos e fundações privadas. E, de acordo com o historiador, na busca de construir um consenso dentro dos países considerados superpovoados, entidades internacionais articularam-se com grupos locais considerados estratégicos, como políticos, integrantes do setor público, pesquisadores de universidades, cientistas sociais e economistas, pessoas capazes de exercer influência dentro da sociedade.

O autor afirma que entre estes setores estratégicos, os médicos ginecologistas e obstetras, assim como profissionais relacionais à saúde reprodutiva, detinham papel fundamental. Muitos atuavam em universidades e eram eles que estavam em contato direto com a população e prescreviam métodos contraceptivos, promoviam o planejamento familiar e estavam à frente de entidades e núcleos criados para o atendimento a mulheres e crianças. Ao montar um panorama do período, Bhering diz que foi com este pano de fundo que se desenvolveram as atividades do Centro de Pesquisas e Atenção Integral à Mulher e à Criança.

“Sustento a hipótese de que o CPAIMC se caracterizou como um espaço ambivalente, em que interesses diversos e muitas vezes antagônicos coexistiram. De um lado, havia perspectivas neomalthusianas de controle da natalidade e contenção do aumento populacional. De outro, visões progressistas acerca da expansão do acesso à saúde para mulheres das populações marginalizadas, ideias de integralidade e atenção primária em saúde”, observa o autor.

Para Bhering, visões progressistas mobilizadas pelos integrantes do CPAIMC frequentemente entravam em choque com as práticas cotidianas. Os argumentos de uma medicina voltada para os pobres, baseada nos princípio da integralidade, da atenção primária em saúde e fundamentadas na Carta de Alma-Ata pouco tinham a ver com as atividades do Centro de Pesquisas, muito menos com a tão defendida corresponsabilidade argumentada por Aguinaga.

O fundador do CPAIMC

Helio Aguinaga nasceu em junho de 1916, na cidade de Lençóis Paulistas (SP). Ingressou no curso de medicina da Faculdade Nacional de Medicina da então Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1934, onde se graduou em 1939. Então, fez residência médica por dois anos no Hospital Universitário da Universidade de Michigan (EUA), onde realizou também pós-graduação em ginecologia e obstetrícia, anatomia patológica e clínica médica.

Depois, estagiou por dois meses no Hospital Lying-Inn de Chicago, no serviço de ginecologia. De volta ao Brasil, participou de cursos de ginecologia e obstetrícia na UFRJ. Ingressou, em 1942, como médico do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital-Escola São Francisco de Assis (UFRJ), onde se tornou chefe da clínica ginecológica em 1946 e chefe do Serviço de Ginecologia em 1969.

Foi chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Policlínica de Pescadores do Ministério da Agricultura (1944-1945). Fundou, organizou e dirigiu, de 1975 a 1994, o Centro de Pesquisas de Assistência Integrada à Mulher e à Criança (CPAIMC).

Além de membro da Academia Nacional de Medicina, Hélio Aguinaga é fundador e foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Entidades de Planejamento Familiar. Também é membro de outras sociedades como a de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro, da Sociedade Brasileira de Cancerologia, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, entre outras.

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