01/12/2015
Marcelo Firpo Porto e Bruno Milanez*
O desastre de Mariana é o trágico apogeu de inúmeros acidentes ocorridos nos últimos anos com barragens da mineração em Minas. Como essa tragédia foi construída? Eis algumas pistas.
As importações globais de minérios cresceram mais de cinco vezes entre 2003 e 2013. O Brasil é o segundo maior exportador, e a Vale, a maior produtora mundial de minério de ferro. Temos as maiores minas do mundo em Minas e no Pará (Carajás).
Tudo é mega nesse volátil mercado de commodities: minas, barragens, também os impactos sociambientais. Qual o “mega” padrão de gestão ambiental que temos?
Existem dois extremos possíveis. No primeiro, riscos são internalizados com fortes investimentos em gestão e tecnologias mais seguras. O Estado é competente, a legislação robusta e a precaução é aplicada: tecnologias não seguras são abandonadas. O licenciamento é democrático, trabalhadores, comunidades atingidas e ambientalistas têm vozes. Empresas que não cumprem a legislação e os compromissos do licenciamento são penalizadas com rigor.
No outro extremo, o cenário do faroeste: gestão precária com muita degradação ambiental e mortes. A legislação é frágil e não cumprida, o licenciamento acelerado e pouco participativo, com grande fragilidade técnica e política dos órgãos públicos. A fiscalização é falha, empresas se autorregulam e “investem” nas campanhas eleitorais de legisladores e gestores.
Na gestão perversa, os lucros obtidos no curto prazo aumentam com a externalização dos impactos. É a sociedade que assume o ônus da elevada degradação ambiental e tragédias com trabalhadores e comunidades atingidas, e os custos se diluem nos sistemas da Previdência Social, Saúde e Meio Ambiente. Após os desastres, o espetáculo midiático se esvai, eventuais multas não são pagas. Em nome do progresso, seguem os investimentos.
É o triste preço da vida no comércio internacional injusto, tão mais baixo quanto maiores as desigualdades socioambientais e menor a democracia e a solidariedade.
O caso de Mariana é exemplar e deveria servir como um ponto de inflexão. A saída é tão clara quanto difícil: valorizar a vida e a natureza com mais democracia e justiça ambiental.
São pelo menos três as tarefas: (1) aprofundar o diagnóstico independente dos impactos da tragédia através de amplos esforços de setores de governo e da sociedade, incluindo os atingidos; (2) fortalecer instituições que regulam e fiscalizam (isso inclui medidas exemplares de mudança, como a responsabilização econômica e criminal das empresas, e planos de reparação e recuperação democráticos e eficientes); (3) por fim, precisamos repensar o futuro do país e o sentido de progresso, plantar sementes de novas economias mais sustentáveis, saudáveis e solidárias.
Afinal, desenvolvimento para que, para quem e de que forma? Se for farsa, vira tragédia.
*Marcelo Firpo Porto é pesquisador da Fiocruz e Bruno Milanez é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora
O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo (RJ) em 1º/12/2015.