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29/02/2016

Tragédia da mineração: entenda como ocorreu o maior desastre socioambiental do Brasil

Agência Fiocruz de Notícias (AFN) e Fiocruz Minas


Na tarde de 5 de novembro de 2015, a empresa Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto entre a mineradora multinacional brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton, confirmou o rompimento de uma barragem que faz parte da Mina Germano, situada no subdistrito de Bento Rodrigues (distrito de Santa Rita Durão), a 35 km do centro do município de Mariana, em Minas Gerais (MG). O rompimento da barragem foi considerado o maior desastre socioambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeito. A tragédia deixou mais de 700 famílias desabrigadas. Dezessete pessoas morreram e duas ainda estão desaparecidas. A onda de dejetos (de composição ainda não identificada, mas com suspeita de substâncias tóxicas) chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio.

Fundada em 1977 e com atuação também no Espírito Santo, a Samarco produz minério de ferro usado na produção de aço, sendo a 10ª maior exportadora do país, com um faturamento bruto de R$ 7,6 bilhões em 2014. A princípio, a mineradora informou que duas barragens haviam se rompido: a de Fundão e a de Santarém. Porém, no dia 16 de novembro, a Samarco retificou a informação, afirmando que apenas a barragem de Fundão havia se rompido. O rompimento de Fundão provocou o vazamento dos rejeitos que passaram por cima da barragem de Santarém. No processo de mineração, as barragens são construídas para acomodar os dejetos provenientes da extração de minério de ferro. A barragem de Fundão passava por um processo de alteamento, quando ocorre a elevação do aterro de contenção, pois o reservatório já chegava a seu ponto limite, não suportando mais o despejo dos dejetos da mineração.

Segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o volume de rejeitos extravasado foi estimado em pelo menos 50 milhões de metros cúbicos, que inundaram as regiões rurais de Mariana, sobretudo, os subdistritos de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo. Bento Rodrigues foi completamente soterrado pelo lamaçal de rejeitos, tendo sua população deslocada da região. Os rejeitos também foram levados a outras cidades no percurso dos rios ligados à barragem (rio Gualaxo do Norte, rio do Carmo, rio Piranga e rio Doce). 

No que se refere ao rio Doce, os dejetos afetaram localidades na Região Leste de Minas Gerais, como o município de Governador Valadares, chegando até o litoral do Espírito Santo. De acordo com os relatórios divulgados pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), a onda de rejeitos provocou a morte de inúmeras espécies de peixes e obrigou a paralisação do abastecimento de água em cidades sustentadas pelos rios atingidos. A comunidade indígena Krenak, que vive no município de Resplendor, em Minas Gerais, foi fortemente afetada, já que o rio Doce é parte indispensável para sua sobrevivência. Populações ribeirinhas, de agricultores familiares, de quilombolas e pescadores também sofreram com as consequências, uma vez que têm o rio Doce como fonte de subsistência. 

Investigações sobre as causas da tragédia

Em função do ocorrido, o Ministério Público abriu inquérito para apurar as causas da tragédia. O promotor Ferreira Pinto destacou que "nenhuma barragem rompe por acaso, não é uma fatalidade". Segundo análise do órgão, a região atingida pelo acidente é alvo de exploração desde o período colonial, com intenso desmatamento praticado por mineradoras em busca, principalmente, de ferro. Uma análise da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do governo de Minas Gerais apontou que o desmatamento da região foi intensificado nas últimas décadas, o que pode ter ajudado a aumentar o tamanho do impacto ambiental causado pelo rompimento da barragem. 

Publicado em seu website, o relatório anual de 2014 da Samarco destaca intensificação das atividades de mineração. O documento cita um empreendimento denominado Projeto Quarta Pelotização (P4P), citado como um dos maiores projetos de expansão do setor privado brasileiro, que ampliou a capacidade produtiva da companhia em 37%. Segundo o relatório, com a nova operação, a produção de 2014 alcançou 25,1 milhões de toneladas de minério de ferro e finos, 15,4% a mais que no ano anterior. No final de novembro, a empresa admitiu que a estrutura também recebia parte dos rejeitos das Usinas de Tratamento de Minério da unidade de Alegria, localizada próximo à Mariana. De acordo com a Vale S.A., o volume correspondia a menos de 5% do total depositado na barragem da Samarco anualmente.

No mesmo período (24/11), a empresa admitiu que ainda haveria o risco de rompimento nas barragens de Santarém e Germano, que ficam perto de Fundão. Segundo a Samarco, estariam sendo feitas obras emergenciais nas duas barragens. Este procedimento poderia durar cerca de 45 dias na barragem de Germano. Na de Santarém, as obras teriam um prazo de 90 dias (cerca de três meses).

Em meados de janeiro (18), a Samarco apresentou ao Ibama o primeiro Plano de Recuperação Ambiental da região. O órgão exigiu complementações no documento e uma segunda versão foi entregue em 17 de fevereiro, que estaria sendo reavaliada pela equipe técnica do instituto. O Ibama também está realizando vistoria nas áreas atingidas pelos dejetos para melhor avaliar o plano proposto.

Danos aos ecossistemas, à sociedade e à saúde pública

Segundo especialistas de todo o país, o rompimento da barragem da Mineradora Samarco traz consequências ainda incomensuráveis para populações e ecossistemas. Ambientalistas estimam que o efeito dos rejeitos no mar pode continuar por pelo menos mais 100 anos. No entanto, mas não houve uma avaliação de todos os danos causados pelo desastre. Segundo a prefeitura do município de Mariana, a reparação dos danos causados à infraestrutura local deverá custar cerca de R$ 100 milhões.

Os pesquisadores também apontam o possível surgimento de novos compostos químicos e a perda da biodiversidade, devido a alterações na dinâmica do ecossistema na área atingida. Dentre os potenciais efeitos da tragédia na saúde pública, identificam-se: aumento de doenças causadas pelo uso de água inadequada para consumo; aumento das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, devido à necessidade de armazenamento de água pela população; aumento de alergias e doenças pulmonares, provocadas principalmente pela poeira decorrente da secagem do rejeito depositado nas margens dos cursos de água; contaminação de alimentos gerada por elementos tóxicos na cadeia alimentar; aumento de doenças causadas pela elevação da interação entre pessoas e animais domésticos e silvestres, devido à alteração em seu habitat natural; e identificação de distúrbios psicológicos decorrentes de traumas vividos pelas vítimas e suas famílias.  

No que diz respeito à sociedade, houve a perda inestimável da referência territorial, da memória, da história e das fontes de renda das populações atingidas. A tragédia provocou um impacto de grande intensidade e longa duração, e comprometerá o trabalho, o lazer, o turismo e a cultura na região. 

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