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06/12/2013

Vencendo a doença de Chagas: uma luta que começou em Minas

João Carlos Pinto Dias*


Há exatamente 70 anos, o pesquisador Emmanuel Dias, do Instituto Oswaldo Cruz, chegava à pequenina Bambuí, no oeste de Minas, para iniciar uma das mais gloriosas páginas da medicina brasileira: a criação de um Centro de Estudos e Profilaxia da Doença de Chagas. A cidade estava então infestada pelos “barbeiros”, os insetos transmissores da doença de Chagas, e eram muitos os casos agudos da moléstia, ali identificada pelos médicos mineiros Amilcar Vianna Martins e Antônio Torres Sobrinho. As pesquisas indicavam mais de 75% da população rural como portadora da doença e eram incontáveis as mortes prematuras em jovens trabalhadores afetados pela forma cardíaca, além de muitos casos de alterações digestivas (megaesôfago e megacolon).

Emmanuel Dias (1908-1962) no posto de Bambuí, em 1951 (Foto: João Carlos Pinto Dias)

 

Com enorme capacidade de trabalho, e também inspirado por Carlos Chagas (que fora seu padrinho), Dias organizou o trabalho, mapeou o município com pesquisas entomológicas e sorológica, preparou uma incrível equipe de auxiliares, recrutada em Bambuí e treinada em serviço por ele mesmo, montando-se um pequeno posto nua casa alugada para exame de barbeiros, testes de inseticidas, coleta de sangue e eletrocardiogramas, realização de autópsias etc. Para combater os barbeiros, com auxílio da Prefeitura e da Fundação da Casa Popular, foram melhoradas e construídas casas de alvenaria na zona periurbana, enquanto a população era motivada a detectar e destruir aqueles insetos. Uma choupana rural foi particularmente estudada, por albergar mais de 10 mil exemplares do Triatoma infestans, a mais perigosa das espécies, um triste recorde mundial.

Em 1947 descreveu-se em Bambuí o inseticida BHC, de notável ação imediata e residual contra os barbeiros, o que deu início a trabalhos de rociamento sistematizado no município, em Minas, no Brasil e em outros países. Em paralelo, Dias e seus colegas Nóbrega e Laranja sistematizavam definitivamente o perfil clínico e anatomopatológico da cardiopatia chagásica, possibilitando desde então o seu reconhecimento mundo afora. Em 1951, mercê de grande articulação de Emmanuel e de alguns fortes aliados entre os quais o governador Milton Campos, o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, seu chefe de Gabinete, Carlos Drummond de Andrade, e os médicos Mario Pinotti e Maurício Medeiros (futuros ministros), foi construído o prédio definitivo do posto, dotado de RX, laboratórios e salas de internação, até hoje existente.

Falecendo Dias em 1962, em trágico acidente, o posto continuou sob a égide de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, posteriormente passada sua gestão para o Centro de Pesquisa René Rachou, de Belo Horizonte. Numerosos estudos e teses prosseguiram no posto (hoje denominado Emmanuel Dias), destacando-se: a implantação de uma vigilância epidemiológica contra a doença de Chagas através de participação comunitária (pioneira no mundo), a descrição pioneira de novos inseticidas piretroides, os estudos evolutivos da doença crônica, com casos seguidos durante décadas, os estudos locais de morbidade e atenção à saúde (projeto Bambuí Saudável), os estudos de biologia de espécies silvestres do vetor e  várias pesquisas no aprimoramento de métodos de diagnóstico parasitológico. Bambuí está há anos livre do Triatoma infestans, fato que se constituiu em importante argumento para deslanchar-se uma iniciativa internacional envolvendo sete países do Cone Sul, hoje em franco progresso. Desapareceram os casos agudos e a prevalência da infecção na população geral do município reduziu-se a 7%, restrita ao grupo etário de mais de 60 anos. Por tudo isto, vale celebrar.

*João Carlos Pinto Dias é médico, pesquisador emérito do Centro de Pesquisa René Rachou (Fiocruz Minas) e membro do Comitê de Doenças Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde e da Academia Mineira de Medicina. Ele é filho de Emmanuel Dias.

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