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15/09/2016

Voluntários do CVV oferecem acolhida e apoio emocional

César Guerra Chevrand (Agência Fiocruz de Notícias)


Ouvir. Mas ouvir com atenção e empatia. Sem preconceito. Sem julgamento. Quem pensa que o trabalho dos voluntários do Programa de Apoio Emocional do Centro de Valorização da Vida (CVV) é dar conselho por telefone está redondamente enganado. Em vez de emitir opinião e dar sugestão sobre os problemas dos outros, a orientação da instituição é oferecer uma escuta qualificada, capaz de acolher quem procura pelo serviço de apoio emocional do CVV. Sem questionamentos e com total sigilo.

Trabalhadoras da Fiocruz, Dayse Campos e Rafaela Diniz são voluntárias do CVV (fotos: Peter Ilicciev)

 

Em pouco mais de um ano de trabalho como voluntárias do CVV, as trabalhadoras da Fiocruz Dayse Campos e Rafaela Diniz já têm muitas histórias para contar. Engajadas na missão do CVV de oferecer apoio emocional e promover a prevenção do suicídio, as duas atuam no atendimento telefônico de um dos postos da instituição no Rio de Janeiro. O trabalho exige envolvimento e responsabilidade, mas tanto Dayse quanto Rafaela garantem que a rotina é menos pesada do que se supõe à primeira vista.

“Na verdade, a prevenção do suicídio é quase uma consequência. O que a gente dá é apoio emocional. A maioria das pessoas liga apenas para conversar. Ou porque não tem com quem falar ou porque precisa desabafar sobre coisas que não pode conversar com amigos e familiares. A maioria das conversas é comum mesmo”, afirma Dayse Campos, responsável pelo Serviço de Informação e Estatística (Siest) do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).

Para dar conta desta demanda, Rafaela Diniz também ressalta a importância de ser verdadeiro e estar concentrado durante o atendimento. “Você não precisa ser profissional de saúde para ser voluntário, mas você precisa entender muito a filosofia do CVV, que é oferecer um apoio emocional desprovido de qualquer preconceito. Ninguém vai contar uma história tão profunda se você está julgando ela. Por mais que você não expresse isso, o modo como você fala demonstra isso para a outra pessoa. É um desafio porque nós estamos sempre enfrentando os nossos próprios preconceitos”, explica a trabalhadora do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz).

Treinamento e sigilo

Dayse Campos e Rafaela Diniz chegaram ao Programa de Apoio Emocional do CVV por caminhos distintos. Aos 58 anos, Dayse procurava um trabalho voluntário para depois da aposentadoria, mas acabou atraída pelo CVV antes disso. Aos 31 anos, Rafaela já tinha experiência de outros trabalhos voluntários, mas também se encantou com o desafio. Hoje as duas mantêm uma rotina de atendimento telefônico com um plantão semanal, de quatro horas. Além do envolvimento em outras atividades e treinamentos do CVV.

Para servirem como voluntárias no atendimento telefônico, Dayse Campos e Rafaela Diniz passaram por um treinamento, a fim de conhecer melhor o trabalho e o CVV conhecer melhor o seu perfil. Pessoas muito sensíveis, por exemplo, podem não ser aptas para a função. Aprovadas pela instituição, elas iniciaram as atividades com a supervisão de colegas mais experientes e hoje têm pleno autonomia para o atendimento.

Entre as regras mais importantes do CVV está o sigilo. Além de não dar sua opinião, os voluntários são orientados a não fazer nenhum tipo de pergunta. Mesmo em casos mais delicados, os atendentes só podem solicitar ajuda se houver um pedido expresso do outro lado da linha. De acordo com Rafaela Diniz, o objetivo do serviço é criar um clima psicologicamente favorável, para a pessoa se sentir bem e falar o que ela precisa falar.

De acordo com Rafaela Diniz, o objetivo do serviço é criar um clima psicologicamente favorável, para a pessoa se sentir bem e falar o que ela precisa falar (foto: Peter Ilicciev)

 

“O básico do CVV não é solucionar o problema do outro. A gente acredita, a princípio, que a pessoa é autossuficiente para se resolver. Quando você fala para uma pessoa que você tem um conselho para dar, uma solução para o problema dela, você diminui essa pessoa. A gente não dá conselho por isso. Eu não sou ninguém para saber como você deve agir dentro dos seus problemas. O que é bom para mim pode não ser bom para você”, diz Rafaela.

Para que os voluntários também não sofram problemas psicológicos, há um grupo de apoio que se encontra uma vez por mês, com o intuito de trocar experiências e dificuldades na rotina de trabalho. No dia a dia, os voluntários costumam receber ligações tanto de pessoas idosas quanto de adolescentes. Até mesmo crianças procuram pelo serviço. Quando o telefone toca, ninguém sabe o que esperar. Como o sigilo é uma questão fundamental, não há estatísticas que tracem o perfil de quem liga para o CVV.

O que é claro para quem está à frente do trabalho é a necessidade de se romper com o tabu e os silêncios sobre as “doenças da alma ou do coração”. “A gente já teve tabu no sexo, agora é mais fácil falar. O suicídio e a depressão ainda são tabus em nossa sociedade. Precisamos falar sobre isso como qualquer outro assunto”, diz Dayse. “Para muita gente, a depressão é a doença da frescura. A bipolaridade é doença de maluco. Essas pessoas sofrem um preconceito e uma opressão absurda. Ter alguém que vai ouvir seus sentimentos mais íntimos é um trabalho de saúde pública”, complementa Rafaela.

Satisfação e gratidão

Apesar dos dias difíceis, que também fazem parte da rotina de plantões, o trabalho no Programa de Apoio Emocional do CVV traz muita satisfação para os voluntários envolvidos no atendimento direto a quem procura ajuda. Dayse Campos e Rafaela Diniz garantem que a experiência no CVV transformou positivamente as suas vidas.

“A gente se sente recompensada até no dia a dia. No dia que você dá plantão, você se sente útil e sabendo que faz parte de um trabalho muito importante. A gente se sente gratificada com isso. Talvez a gente se sinta mais ser humano. O trabalho voluntário no CVV melhorou muito a minha vida. A gente tem a tendência de dar a nossa opinião, se comparando, não dando ouvido aos outros. Agora eu me observo mais, faço um esforço para isso”, comenta Dayse.

As lições que aprendeu durante um ano de atendimento no CVV também provocaram mudanças profundas na maneira de Rafaela encarar a vida. Nas suas palavras, trata-se da descoberta de um novo mundo, com outras possibilidades.

“A gente já teve tabu no sexo, agora é mais fácil falar. O suicídio e a depressão ainda são tabus em nossa sociedade. Precisamos falar sobre isso como qualquer outro assunto”, diz Dayse Campos (foto: Peter Ilicciev)

 

“O CVV me apresentou uma filosofia de vida que eu desconhecia completamente. Eu não sabia ouvir ninguém até entrar no CVV. A gente avalia os outros com os nossos conceitos o tempo inteiro, a gente julga o tempo inteiro. A gente é socialmente treinado para isso. Então você descobre um novo mundo, com outras possibilidades, você vê o outro com compaixão e você vê um mundo melhor. Você vê que nem tudo está perdido”, avalia.

Atendimento e voluntariado

O atendimento telefônico é apenas um dos serviços oferecidos pelos postos do CVV espalhados por 19 estados do Brasil. Além do contato por telefone, a instituição também disponibiliza outras opções para quem quer conversar, 24 horas por dia: chat (bate-papo na web), Skype (conexões de voz e vídeo), e-mail, carta e atendimento pessoal. Saiba mais aqui.

Quem preferir desabafar por telefone, tem a opção do 141, disponível para todo o Brasil. Ou pode conferir os telefones diretos dos postos nas suas cidades. A relação de endereços e telefones também está disponível do site do CVV. Outro serviço ainda em teste é o telefone 188, mantido pelo Ministério da Saúde, cuja ligação é gratuita. Atualmente, o 188 está em operação somente no Rio Grande do Sul, estado com o maior índice de suicídio no Brasil. O objetivo do CVV é disponibilizá-lo para todo o país, ampliando seu serviço.

Outra iniciativa importante do CVV são os Grupos de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio (GASS), voltados a quem sobreviveu a uma tentativa de suicídio e aos familiares e amigos de quem tentou ou tirou a própria vida. Todos os encontros são confidenciais, sigilosos e gratuitos. O primeiro GASS do Rio de Janeiro atende pelo contato gass-rio@bol.com.br.

Para ser um plantonista do Programa de Apoio Emocional do CVV, é preciso ter mais de 18 anos e pelo menos quatro horas disponíveis por semana. Os interessados devem verificar a agenda do curso de preparação de voluntários e se cadastrar gratuitamente. Após dois dias de palestras e dinâmicas, os monitores do CVV selecionam os voluntários mais adequados ao atendimento para um curso de formação, de nove encontros.

Aqueles que não se sentirem à vontade ou não tiverem disponibilidade para se voluntariar no Programa de Apoio Emocional do CVV também podem contribuir como voluntários-especialistas. Dentro da sua especialidade e com seus próprios conhecimentos e recursos, esses voluntários também podem atuar, por exemplo, nas áreas de divulgação, tecnologia ou captação de recursos. Neste caso, o contato deve ser pelo e-mail comunicacao@cvv.og.br.

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