04/10/2023
Camila De' Carli (Agência Fiocruz de Notícias)
O aleitamento materno inclusivo foi tratado como tema prioritário no marco da celebração pelos 80 anos do Banco de Leite Humano (BLH) do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). A necessidade de inclusão efetiva das pessoas com deficiência (PcD) e de suas famílias nas políticas de aleitamento foi ressaltada por João Aprígio Guerra de Almeida, coordenador geral da Rede Global de BLH.
A rBLH (IFF/Fiocruz) e a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) são parceiros no projeto Aleitamento Materno Inclusivo na rBLH. A iniciativa tem apoio, voltado para o letramento, do Programa Inova Fiocruz, tanto para a rBLH quanto para as famílias sobre as determinações sociais que afetam a saúde das PcD na Rede de Atenção à Saúde.
AFN: Como se deu a convergência entre a rBLH (IFF/Fiocruz) e a Ensp/Fiocruz sobre a necessidade de debater o aleitamento inclusivo?
João Aprígio: Nós da rBLH temos um vazio muito importante a ser cumprido, que é melhorar a nossa interação com a Atenção Primária. Nós somos do terceiro nível de atenção e precisamos melhorar essa interlocução. O que a Ensp produz de saberes e práticas em uma região desprivilegiada da sociedade do Rio de Janeiro, que é o Complexo da Maré, é incrível. A gente acordou sobre a necessidade de construir um caminho porque estamos numa área programática da zona Sul do Rio de Janeiro com um grande número de mulheres em comunidades expostas a um elevado padrão de violência, como Rocinha e Vidigal. Tentamos fazer muitas coisas nessa trajetória que na minha opinião foram um fracasso. Em uma discussão de um grupo focal sobre matriciamento, a Laís [Silveira Costa, analista de gestão e inovação da Ensp] veio me falar de aleitamento inclusivo. Então a gente decide secundarizar no grau de priorização o matriciamento para priorizar o aleitamento inclusivo.
AFN: Qual a sua percepção sobre a visibilidade das famílias de PcD na saúde materno-infantil?
João Aprígio: No IFF, eu perguntei quantas famílias de PcD havia nos registros de atendimento. Vieram respostas como 'já atendemos pessoas com dificuldade auditiva' ou 'já atendemos pessoas com deficiência visual'. Mas como? Onde? O que fizemos? A invisibilidade é tão grande que a gente não tem registro. Isso doeu muito, porque quando eu comecei a perguntar para companheiros de outros bancos não foi diferente. Os relatos eram episódicos do que alguém conseguia lembrar que fez.
AFN: O senhor acha que existe uma invisibilidade das PcD que vai além da saúde materno-infantil?
João Aprígio: Estou nessa casa desde 1985, que tem um centro de genética, que tem uma unidade de terapia neonatal intensiva - e não estou dizendo que a gente não faz nada; fazemos muito -, mas não temos registros de PcD e seus familiares. E o que é mais triste para mim, pessoalmente, é que eu sou pai de um PcD há 38 anos e não fui capaz de enxergar isso. Eu tenho uma dívida comigo mesmo. No IFF, decidimos mudar isso e fomos conversar com a Laís.
AFN: Quais foram os primeiros passos dessa parceria da rBLH (IFF/Fiocruz) e a Ensp/Fiocruz?
João Aprígio: A gente precisava começar de alguma forma, e a gente não precisava de muito dinheiro. Mais uma vez, a Fiocruz, com o Inova, que é um projeto de inovação, nos permitiu o mínimo de recursos para começarmos a pensar no que fazer. Efetivamente esse o que fazer foi se dar ao direito de aprender. Fizemos uma primeira reunião de onde saímos tratorados com tantos relatos e informações. Fomos para uma segunda reunião, que incluía as mães da Maré, e tudo o que a gente ouviu nos deixou sem chão. E teve há pouco uma reunião na Ensp [em novembro de 2022]. Para mim bastou; não dava para ficar mais nessa postura passiva. A gente tem que formular ações, já temos elementos suficientes para isso.
E começamos a trabalhar com essa perspectiva. Queremos continuar ouvindo, mas com uma postura mais proativa porque não temos tempo. Já esperamos muito tempo. Começamos então esse projeto novo, com um apoio muito interessante e importante da Organização Pan-Americana de Saúde [Opas]. O projeto ainda não está na rua, mas começaremos, no marco das quatro décadas de política pública, um ciclo de discussões com todos os estados da federação e descobrir o que eles estão fazendo. Que a gente possa se reunir com todos os estados e começar pelas macrorregiões para ouvir, aprender e entender onde podemos ser úteis.