16/12/2013
O homem contemporâneo vivencia uma série de paradoxos. Tomado por um mal-estar constante busca reconhecimento e, ao mesmo tempo, tem grande dificuldade de perceber e valorizar o outro. Aqueles que atuam na gestão ou no cuidado em saúde vivem os mesmos desafios acrescidos das pressões do mundo do trabalho, que também recaem sobre esses profissionais. Os valores dominantes na atualidade – onde os laços sociais se enfraquecem e o domínio privado recrudesce em detrimento do público – parecem seguir na contramão dos princípios da Reforma Sanitária, o que coloca um imenso desafio para o campo da saúde coletiva. Para fazer face a esse processo em curso de descuido sistemático com as pessoas e valorização exagerada da racionalidade, autores propõem uma abordagem diferenciada de pesquisa e intervenção, apresentada no livro Subjetividade, gestão e cuidado em saúde: abordagens da psicossociologia, de Creuza da Silva Azevedo e Marilene de Castilho Sá (orgs.), lançamento da Editora Fiocruz.
O livro não pretende ser um instrumento normativo ou uma ‘caixa de ferramentas’. Apresenta, porém, uma abordagem teórico-metodológica diferenciada que pode ser muito útil àqueles que desejam estudar e transformar a atual dinâmica da gestão e do cuidado em saúde. Trata-se de um caminho de investigação que vem sendo trilhado pelas organizadoras do livro e que articula três eixos, trazendo-os para o campo da saúde: a abordagem da psicossociologia francesa sobre as organizações e a sociedade (de Eugène Enriquez e André Lévy); a teoria psicanalítica sobre os processos intersubjetivos e grupais (de René Kaës); e a psicodinâmica do trabalho (de Christophe Dejours).
A coletânea tem 14 capítulos e está dividida em duas partes. A primeira traz uma discussão teórico-conceitual e se encerra com a exposição de bases metodológicas para a abordagem proposta – são as contribuições das narrativas de vida e da clínica psicossociológica. Ao longo de todo o livro, evidenciam-se os desafios colocados pela dimensão subjetiva do processo de trabalho em saúde, altamente exigente de elaborações psíquicas e de inventividade, em virtude do contato diário com a dor, a morte e o sofrimento alheios. Do mesmo modo, colocam-se os desafios para o trabalho gerencial, que, pela centralidade de sua dimensão intersubjetiva, assim como o trabalho em saúde, apresenta elevado grau de descontrole.
Creuza e Marilene, ambas doutoras em psicologia e pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), apoiadas na leitura psicossociológica sobre as organizações e o imaginário social, compreendem os serviços de saúde como um universo simbólico e imaginário. De acordo com as organizadoras do livro, as possibilidades de mudança dependem do fortalecimento de dispositivos e processos de gestão e de organização do trabalho que favoreçam aos gestores e trabalhadores o acesso a sua própria subjetividade. Desse modo, eles reconheceriam as fontes de seu sofrimento e prazer no trabalho, os vínculos afetivos que os ligam à organização e o sentido do trabalho em suas vidas.
Já a segunda parte do livro reúne estudos empíricos e exemplos de intervenções orientados pela abordagem proposta pelas organizadoras. São pesquisas e/ou ações em hospitais, em serviços de atenção psicossocial, em uma unidade de saúde da família e em um serviço especializado de oncologia pediátrica, além de uma intervenção clínica psicossociológica em um curso de gestão da Ensp. Apesar das fragilidades identificadas nas práticas predominantes no SUS, analisam-se as possibilidades de mudança no cuidado e na gestão, pautadas pela capacidade de escuta, pelos espaços de diálogo e troca e pela inventividade no cotidiano do trabalho.
As diferentes experiências apresentadas buscam ressaltar que o cuidado e a gestão, quando demasiadamente centrados na racionalidade médica e instrumental, podem não só dificultar a solidariedade entre os sujeitos, mas também agravar a indiferença em relação ao sofrimento do outro. Neste sentido, os trabalhos apresentados na segunda parte do livro demonstram a importância da dimensão subjetiva e dos processos intersubjetivos na produção do cuidado, na gestão e na própria formação dos profissionais de saúde.
Assim, Subjetividade, gestão e cuidado em saúde: abordagens da psicossociologia traz a necessidade de se ampliar o foco de análise e de intervenção nos processos organizacionais. O livro sinaliza a importância dos aspectos histórico, institucional, individual e grupal, entre outros, como recortes que se articulam na explicação dos problemas e desafios dos serviços de saúde.