12/09/2013
Até que ponto os dados de uma pessoa no mundo são públicos? Os sistemas de informação existentes são efetivamente seguros e protegem nossa privacidade? O uso do corpo como forma de segurança virtual é eficaz? Podemos usar dados genéticos de uma pessoa para obter avanços em pesquisas biomédicas? Essas e muitas outras questões acerca da segurança social, biológica, econômica e tecnológica foram abordadas por três especialistas em debate na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) na quarta-feira (11/9), que teve como tema Privacidade, dados pessoais e dados corporais na sociedade da tecnologia da informação.
Estudos que evidenciam, não apenas no Brasil, mas também em outros países, que as normas, regulamentos e mecanismos de segurança são fundamentais para a garantia da privacidade do indivíduo, mas esses, por si só, têm se mostrado insuficientes
Primeira a se apresentar, a pesquisadora Ilara Hammerli Moraes, destacou quatro filmes (A rede, Gattaca, O jardineiro fiel e Minority Report) que abordam a questão da privacidade de formas diferenciadas, seja na vida pessoal, na manipulação genética, nos limites éticos entre a busca de avanços da ciência e tecnologia e nas possibilidades de fraudes de sistemas de segurança para incriminar uma pessoa. “O que está na internet, hoje em dia, é público”, alertou a pesquisadora. Segundo Ilara, há um contexto, determinado historicamente, de ameaças à privacidade e ao uso de dados pessoais e corporais na sociedade da tecnologia da informação que envolve questões de alta complexidade, tais como a sociedade capitalista global que vivemos, a não existência de mecanismo de segurança 100% garantidos, a desculpa da ‘guerra ao terror’ como forma de fiscalizar as pessoas, a subordinação de políticas públicas aos interesses da fração hegemônica do capital em sua reprodução, ou o incipiente debate político sobre esse tema na sociedade.
Ao abordar quais são os limites entre interesses da esfera pública e privada, Ilara ressaltou que, na dimensão pública, devem prevalecer os interesses da coletividade, do dever do Estado em garantir saúde universal, o que demanda mecanismos de gestão e o desenvolvimento de C&T em saúde cada vez mais complexos. Já na dimensão privada, deve prevalecer o direito do indivíduo de ter preservada sua privacidade e a confidencialidade dos dados sobre sua saúde; e o Estado tem a obrigação de garantir essa segurança por meio de políticas competentes de segurança da informação. E questiona: “Até onde vai o direito do Estado e da Ciência em conhecer e usar aspectos da vida íntima das pessoas em nome da coletividade e da defesa da segurança pública? E até onde vai o direito do cidadão em preservar sua privacidade?”.
Sobre as tecnologias da informação existentes para a preservação das informações de pacientes no campo da saúde, Ilara apresentou estudos que evidenciam, não apenas no Brasil, mas também em outros países, que as normas, regulamentos e mecanismos de segurança são fundamentais para a garantia da privacidade do indivíduo, mas esses, por si só, têm se mostrado insuficientes. Para a pesquisadora, resolver as questões da privacidade significa não apenas mais investimentos em segurança tecnologia, mas também a construção de um pacto ético e político por parte da sociedade.
A coordenadora do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT/Ensp), Carolina Mendes Franco, apresentou uma visão do uso nas novas tecnologias como forma de controle social e quebra de privacidade, questionando: “É possível falar de privacidade nesse mundo tecnológico de hoje, apesar de ela estar garantida em nossa Constituição?”. Segundo Carolina, o debate sobre a privacidade no Brasil está apenas começando, enquanto que, na Europa, ele teve início na década de 1970, tornando-se um dos itens da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em seguida, Carolina falou sobre a utilização de tecnologias biométricas como forma de segurança virtual, resultado de uma atmosfera do medo que se vive atualmente e do uso do corpo como uma ‘senha’, seja por meio de digitais, íris, retina, geometria das mãos, traços faciais, voz, odores, veias. “As pessoas hoje passam a ser ‘senhas de acesso’ de si mesmas para provarem que são elas e acessar diferentes tipos de serviços, tudo pela identificação cada vez mais precisa, por conta das novas tecnologias”, disse.
Mesmo com toda essa segurança, a coordenadora do NIT/Ensp apresentou três exemplos de tecnologias que estão sendo utilizadas de formas questionáveis, servindo de banalização do corpo (dados biométricos) para segurança. São elas: brainfingerprinting, uma espécie de sondagem de ‘impressões cerebrais’ para verificar se um indivíduo participou de algum crime; o projeto Intenção Hostil, que analisa as faces das pessoas em determinados ambientes em busca de possíveis terroristas, por exemplo; e a inserção de chips com tecnologia Radio Frequency Identification Technology (RFID), que faz constante monitoramento pessoal, em qualquer lugar.
Último a se apresentar, o advogado e professor do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Diego Carvalho Machado trouxe o aspecto mais jurídico acerca do direito à privacidade e os dados genéticos de uma pessoa. Segundo explicou, dados genéticos são as informações relativas às características hereditárias dos indivíduos, destacando então a importância da Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (DIDGH). O objetivo da declaração é garantir o respeito da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em matéria de recolhimento, tratamento, utilização e conservação de dados genéticos humanos, em conformidade com os imperativos de igualdade, justiça e solidariedade. Propõe-se, ainda, a definir os princípios que deverão orientar os estados na formulação das suas legislações e das suas políticas sobre essas matérias.
Conforme apresentado na DIDGH, as informações genéticas têm amplitude que ultrapassam o âmbito individual, uma vez que podem ser utilizadas como fontes de diagnóstico e cuidados de saúde ou de investigação médica e científica, como em casos de talassemia (doença hereditária autossômica recessiva que afeta o sangue) ou da doença de Tay-Sachs (mutação recessiva, presente apenas quando se herda genes mutados tanto da mãe como do pai) entre judeus ashkenazi. Outra forma da utilização de dados genéticos é a fonte de prova em procedimentos civis (investigação de paternidade/maternidade) e de investigações penais. “A tutela dos dados genéticos deve ter regime restritivo e não focado apenas no indivíduo. O consentimento para o tratamento dos dados genéticos deve ter regime consciente de seus limites. Os dados genéticos, ainda que anonimizados irreversivelmente, jamais deixarão de envolver elemento corporal do ser humano”, concluiu.