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25/03/2015

Especialistas discutem desafios e estratégias para a saúde mental

César Guerra Chevrand


A trajetória de 30 anos da reforma psiquiátrica brasileira foi o ponto de partida dos debates da sessão plenária realizada na última terça-feira (24/3), como parte da programação do Seminário Internacional de Saúde Mental, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). O evento é promovido pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o Ministério da Saúde e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Coordenada por Ana Pitta, doutora em Medicina Preventiva e Saúde Mental pela Universidade de São Paulo (USP), a sessão plenária reuniu especialistas do Brasil e do exterior para a discussão dos principais temas do documento técnico de trabalho. Psiquiatra e coordenador do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, Jair Mari reconheceu os avanços das últimas décadas e ressaltou a importância do encontro para planejar o futuro. “Nós devemos aqui dar uma contribuição para um plano de ação futuro para a saúde mental. O caráter dogmático da reforma psiquiátrica deve ser substituído por um planejamento de novas políticas públicas, que possam incorporar os avanços científicos dos últimos trinta anos”, afirmou.

O diretor do Departamento de Saúde Mental da OMS, Shakhar Saxena, também disse que o Seminário Internacional do Brasil tem o objetivo de produzir análises e recomendações para o Plano de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde. “A experiência da reforma psiquiátrica brasileira demonstra a importância de ouvir a comunidade e os usuários do sistema de saúde. Com o fim dos hospitais psiquiátricos, é necessário construir condições efetivas para um cuidado contínuo e qualificado daqueles que precisam de atenção e tratamento”, reforçou.

Na mesma linha, o chileno Alberto Minoletti fez elogios ao documento técnico do encontro e declarou que os temas discutidos em saúde mental no Brasil são muito semelhantes aos debatidos em seu país. “Com todas as imperfeições que possa haver, a desinstitucionalização promovida pela reforma psiquiátrica brasileira é um grande exemplo para a América Latina. Nós não deveríamos mais conviver com manicômios, apesar de ainda haver muitos pelo continente”, explicou Alberto Minoletti.

Representando os usuários na sessão plenária do encontro, Milton Freire Pereira relatou as dificuldades de adaptação dos pacientes psiquiátricos ao mundo do trabalho. “O preconceito é grande e o estigma ainda é muito pesado”. Ao relatar sua própria experiência em antigos hospitais psiquiátricos, Milton também reivindicou a necessidade de mais diálogo. “O manicômio tem características de uma prisão. Nós precisamos de mais espaços comunitários de criação e convivência, para desenvolvermos uma cultura de solidariedade e ajuda mútua”, disse.

O impacto da violência sobre a saúde mental também foi assunto da sessão plenária, com a participação especial do antropólogo e diretor da ONG Viva Rio, Rubem César. “Em comunidades fragilizadas socialmente do Rio de Janeiro, por exemplo, os eventos quase que diários de violência armada criam um campo de traumas, ansiedades e estresses, que permeia a sociedade local”, declarou Rubem César.

Em sintonia com o diretor da ONG Viva Rio, o médico psiquiatra e doutor em Saúde Pública pela Fiocruz Francisco Inácio Bastos também chamou a atenção para a rotina de violência que atinge os profissionais de saúde mental. “Muitas vezes esses problemas de tráfico de drogas e milícia no Rio de Janeiro migram para dentro da instituição de saúde e das comunidades terapêuticas e tornam a gestão cotidiana extremamente complicada”. Como exemplo dessas dificuldades, Francisco Bastos revela um fenômeno recente que ganha uma dimensão cada vez maior no país. “Algumas internações hoje acontecem para que o paciente escape da violência. O próprio paciente diz que pode ser morto se voltar à sua comunidade. Nós vivenciamos isso no dia-a-dia. Apesar de ainda não ser uma situação calamitosa como a do México, já merece a nossa atenção”, completou.

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