27/02/2009
Renato Sérgio Balão Cordeiro*
Após 13 anos na Câmara dos Deputados e uma rápida tramitação de três meses nas comissões de Constituição e Justiça, Educação e Ciência, Tecnologia e Inovação, o plenário do Senado aprovou, em 2008, o Projeto de Lei da Câmara nº 93/08 (nº 1.153/95), do falecido deputado federal e ex-presidente da Fiocruz Sergio Arouca. O projeto estabelece critérios para criação e uso de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no Brasil. Uma brilhante contribuição do parlamento brasileiro ao futuro da ciência, tecnologia e inovação e seus benefícios para a saúde humana.
Senadores aprovam o projeto que, sancionado por Lula, se tornou a Lei Arouca (Foto: Geraldo Magela) |
É realmente surpreendente que uma nação que está formando 10 mil doutores por ano, que chegou à 15ª colocação no ranking internacional de publicações científicas indexadas, com grupos de pesquisa de alta excelência nas áreas de vacinas, células-tronco, doenças infecto-parasitárias, câncer, processos inflamatórios, produtos naturais, medicamentos, doenças cardiovasculares, diabetes, neurociências, entre outras, ainda não tivesse uma legislação federal que regulamentasse a investigação com animais de laboratório.
As primeiras iniciativas para regulamentar a pesquisa com animais de laboratório no Brasil surgiram no governo provisório de Getulio Vargas, em julho de 1934, com o Decreto nº 24.645, e em 1941, também em outro governo Vargas, o Estado Novo, quando foi publicado o Decreto-Lei 3.688, que tratava das leis de contravenções penais. Quase quatro décadas depois, em 8 de maio de 1979, foi publicada a Lei 6.638, que estabelecia “normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais”, que não teve eficácia prática, pois não foi regulamentada pelo Executivo após aprovação pelo Congresso, caindo no esquecimento.
O Projeto Arouca, sancionado** pelo presidente da República, terá repercussões importantes nas esferas municipal e estadual, pois impedirá de forma definitiva que equivocados projetos de lei de vereadores e deputados estaduais causem graves prejuízos à pesquisa cientifica com animais de laboratório e saúde humana em importantes instituições de pesquisa e universidades de cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Florianópolis e São Paulo.
Uma das peças fundamentais do projeto é a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que terá como competências “expedir e fazer cumprir normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa cientifica”; credenciar instituições brasileiras para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica; monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam o uso de animais em ensino e pesquisa.
E não só isso, pois o Concea terá que estabelecer normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário; criar normas técnicas para instalação e funcionamento de centros de criação, biotérios e laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho de tais instalações. Outra de suas funções será a de estabelecer e rever, periodicamente, normas para credenciamento de instituições que criem ou usem animais para ensino e pesquisa.
Importante lembrar o caráter essencialmente democrático do conselho, que terá representantes de sociedades protetoras de animais legalmente constituídas no Brasil e de sociedades e instituições científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Federação de Sociedades de Biologia Experimental, a Academia Brasileira de Ciências, o Cobea, o CNPq, os ministérios da Ciência e Tecnologia, Saúde, Educação, Meio Ambiente, Agricultura e o Conselho de Reitores.
Para que as instituições sejam credenciadas pelo Concea e possam desenvolver atividades de ensino e pesquisa, deverão criar Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs, celula mater do sistema, já existentes na maior parte das instituições brasileiras), compostas por veterinários, biólogos, docentes, pesquisadores e representante de sociedade protetora de animais.
Vivemos nova etapa para a sociedade e para a educação, ciência e tecnologia e inovação em nosso país, em que é fundamental que radicalismos irracionais sejam afastados e que as ONGs protetoras de animais, sérias e consequentes, atuem como parceiras de instituições de pesquisa e universidades brasileiras, ajudando a construir o processo e contribuindo para o bom funcionamento das comissões de ética, no sentido de garantir a saúde da população e de nossos animais.
* Pesquisador da Fiocruz, titular da Academia Brasileira de Ciências.
** A lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8/10/2008.
Publicado em 26/2/2009 (este texto foi originalmente publicado no Jornal da Ciência).