A atual conjuntura econômica e a política fiscal recessiva implementada no país “afetam diretamente os determinantes sociais relacionados à tuberculose”, como renda, acesso a trabalho e emprego, educação e moradia, e “apresentam uma ameaça de retrocesso aos avanços obtidos pelo SUS e demais políticas públicas e programas sociais” no enfrentamento à doença.
A avaliação é da Parceria Brasileira Contra a Tuberculose (Stop TB Brasil), colegiado que reúne mais de cem entidades de segmentos diversos comprometidos na luta contra a tuberculose no Brasil, incluindo a Fiocruz. Nesta sexta-feira (24/03), Dia Mundial da Luta contra a Tuberculose, a organização publicou uma carta aberta em que aponta as "profundas raízes sociais" do problema, intimamente ligado à pobreza e à má distribuição de renda, e apresenta um conjunto de propostas para fortalecer o combate à tuberculose no Brasil.
O documento diz que “a doença frequentemente tem consequências econômicas devastadoras para as famílias afetadas, reduzindo os seus rendimentos anuais por uma média de 50%, e agravando as desigualdades existentes”. Segundo o Banco Mundial, o número de pobres subirá de 2,5 milhões para 3,7 milhões no Brasil em 2017.
“A tuberculose é uma das doenças infecciosas em que a relação com as condições de vida é mais fortemente percebida. Estudos mostram que políticas sociais de redução da pobreza, como é o caso do Bolsa-Família, tiveram impacto significativo na redução de casos da doença”, afirmou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, citando trabalho desenvolvido na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
“Essa é a melhor estratégia para combater o problema na raiz, mas precisamos de diferentes abordagens. A Organização Mundial de Saúde (OMS) se baseia hoje em três pilares: na atenção e prevenção integradas, centradas no paciente, na adoção de políticas públicas para proteção de populações vulneráveis e no desenvolvimento de pesquisas e da inovação na área”, acrescentou Nísia.
A Fiocruz atua em diferentes áreas no combate à tuberculose, de medidas voltadas a seus determinantes sociais à produção de medicamentos, passando por estudos genéticos e iniciativas contra resistência antimicrobiana. Nesta semana, o Castelo da Fundação ficou iluminado de vermelho para chamar a atenção para o problema.
A carta sugere sete medidas para enfrentar a tuberculose no Brasil. Dentre elas estão o monitoramento e o cumprimento da Resolução 444 do Conselho de Saúde, de 2011, sobretudo no que diz respeito à formação de um comitê intersetorial para o desenvolvimento de ações de enfrentamento aos determinantes sociais da tuberculose.
Outras iniciativas relacionadas aos determinantes sociais recomendadas na carta incluem a promoção dos direitos humanos de populações vulneráveis, incluindo população em situação de rua, presidiários, usuários de álcool, indígenas e coinfectados por HIV, entre outros. Segundo a OMS, mais de 40% das pessoas com tuberculose no mundo não recebe o tratamento adequado.
O reforço de investimento político, técnico e financeiro na área de comunicação e mobilização social, de modo a garantir maior visibilidade para o tema no Brasil, também é considerado fundamental, assim como a consolidação de parcerias intersetoriais que unam as áreas de pesquisa, atenção básica, saúde mental e direitos humanos.
No documento, o ex-presidente da Fiocruz e atual Coordenador do Centro de Saúde Global da Fiocruz (Cris/Fiocruz) Paulo Buss manifesta preocupação sobre a conjuntura econômica do país, observando que ela pode ter consequências graves na saúde pública nacional. “Se o Brasil não tiver sistemas de proteção social fortes, capazes de mitigar os efeitos da crise econômica sobre a qualidade de vida da população, as taxas de morbidade e mortalidade crescerão muito nos próximos anos”, afirma Buss.
A carta se soma a esforços recentes para combater a tuberculose, como uma ambiciosa estratégia da OMS para reduzir 95% das mortes e 90% dos casos de TB até 2035. Segundo a OMS, a tuberculose superou a Aids como doença infecciosa mais letal do mundo e a cada ano adoece mais de 10 milhões de pessoas globalmente, com mais de 1,8 milhão de óbitos. O Brasil é classificado pela OMS como um dos 30 países de maior carga da doença no mundo.