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22/03/2017

População de usuários de crack também sofre com a tuberculose

Graça Portela (Icict/Fiocruz)


Em 2012, quando realizou a Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack em todo o país, o pesquisador Francisco Inácio Bastos, do Laboratório de Informação em Saúde (Lis) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), levantou informações que completariam o perfil do usuário de crack no país. A pesquisa, considerada a maior do mundo com esta população, reforçou – dentre outros aspectos – que a tuberculose (TB) é um problema que não pode ser negligenciado.

Francisco Inácio Bastos explica as dificuldades para o tratamento da população de usuários de crack (Foto: Icict/Fiocruz)
 

A pesquisa que compreendeu dois estudos diferentes ouviu 7.381 usuários de crack em cenas abertas em todo país. Desses, 6,26% afirmaram já ter tido tuberculose. Além disso, 15,49% relataram ter tido contato, na época em que a pesquisa estava sendo realizada, com alguém com tuberculose, e 5,82% afirmaram que já tiveram a doença no passado. Considerando-se que a população usuária de crack é móvel e sua vulnerabilidade é fator de risco para doenças infecciosas, o tratamento também é muito complicado.

Para Bastos, a situação é “bastante complexa e difícil de avaliar, pois trata-se de uma população fortemente marginalizada, que faz uso de crack e diversas outras substâncias, especialmente álcool e tabaco – ambos fatores associados a quadros mais graves de tuberculose”, explica o médico e também pesquisador. Ele alerta que o fato de a população de usuários de crack ser “extremamente móvel e com baixa frequência em serviços de saúde, tudo contribui para um quadro grave e de difícil manejo”.

Outros fatores também influem no não tratamento ou tratamento precário junto ao sistema de saúde dos usuários de crack com tuberculose. Questões como discriminação, suspeição mútua entre usuários e profissionais de saúde, além de desnutrição, consumo de diversas substâncias que reduzem a imunidade e muitas infecções e lesões orais e das vias respiratórias também devem ser consideradas.

Atendimento médico

A Organização Mundial de Saúde (OMS) havia estabelecido como objetivo, a partir das Metas de Desenvolvimento do Milênio, reduzir drasticamente a tuberculose até 2015. O objetivo ainda não foi cumprido, mas, a partir do plano de ação Estratégia Stop TB, foram criados cinco pontos de apoio à erradicação da doença. São eles: compromisso político com aumento e financiamento sustentado; detecção de casos através de bacteriologia de qualidade garantida; tratamento padronizado, com supervisão e apoio ao paciente; um sistema eficaz de fornecimento e gestão de medicamentos; e sistema de monitorização e avaliação e medição do impacto.

Os “dots”, como são chamados esses pontos, prevêem em suas específicações “tratar de pessoas encarceradas, de refugiados e de outros grupos em alto risco, e de situações especiais”. No caso da população de usuários de crack, em sua grande maioria inserida no contexto da população em situação de rua, o tratamento ganha um diferencial.

Na Clínica da Família Victor Valla, que atua na região de Manguinhos, no Rio de Janeiro, além de outros bairros adjacentes, a equipe do Consultório de Rua tem 2.225 pessoas em situação de rua, dentre elas muitos usuários de crack. Muitas pessoas em situação de rua acreditam que estar com tuberculose é uma sentença de morte ou não tem um entendimento claro do que significa a doença. Daniel de Souza, um dos membros da equipe, explica que o atendimento feito à população de rua precisa ser diferenciado. “Fazemos um acompanhamento supervisionado, levando a medicação até o paciente, vendo ele tomar o remédio. Com isso, a adesão é mais fácil”.

Souza afirma que o próprio estilo de vida dessas populações faz com que a adesão seja uma luta diária ou semanal, pois muitos assim que melhoram, largam o tratamento, tornando-se resistentes aos remédios. “Convencê-los que a TB tem cura e que é importante tomar a medicação, mesmo tendo uma melhora parcial, é o nosso trabalho”, explica. Além da entrega semanal ou diária do medicamento, a equipe também vincula o paciente a alguma unidade de saúde mais próxima de onde ele vive, encaminhando-o até lá. “Algumas unidades simplesmente não querem recebê-los por eles não terem documentos e, principalmente, o Cartão SUS (Cartão Nacional de Saúde), mas isto é um engano. Voltamos com o paciente nestes locais e mostramos as portarias das Secretarias Estaduais e Municipais, além é claro da Portaria do Ministério da Saúde (940/2011), que afirma que ninguém deixará de ser atendido caso não tenha documentos ou o próprio Cartão”.

O resultado disto é que o índice de cura é proporcionalmente maior do que o da Estratégia Saúde da Família (ESF) na Clínica: “Em 2016, tivemos 61% de cura no Consultório de Rua – com 23 casos de pessoas com tuberculose e 12 desses pacientes curados, contra seis pessoas curadas de 36 que foram atendidas na Clínica”. O diferencial é o acolhimento, explica Daniel: “eles valorizam muito a acolhida que recebem”.

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