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02/10/2014

O plágio na berlinda: livro da Editora Fiocruz faz abordagem provocativa sobre o assunto

Fernanda Marques


Você já deve ter ouvido o relato de algum professor que, desconfiado, jogou um trecho do trabalho de um aluno em um sítio de busca e descobriu que se tratava de plágio. Também já deve ter escutado que a comunicação digital facilita essa má-conduta dos estudantes, que, cada vez mais preguiçosos, precisam ser punidos. Mas esse é apenas um lado de uma questão multifacetada, que ainda carece de reflexões e debates. Uma abordagem diferenciada e provocativa do assunto pode ser encontrada no livro Plágio: palavras escondidas, assinado pela antropóloga Debora Diniz e pela linguista Ana Terra, e lançado pelas Editoras Fiocruz e LetrasLivres.

Embora o plágio seja uma preocupação crescente – para estudantes, professores, pesquisadores, autores, revisores e editores –, não há estatísticas que comprovem o aumento do número de casos nas universidades e centros de pesquisa. Há ocorrências esporádicas, mas que não raro geram intensa polêmica e vergonha para os envolvidos, que podem sofrer com reprovação em disciplina, expulsão, retratação e retirada de circulação de um artigo, perda de título e até processos judiciais.

Debora e Ana, porém, não definem o plagiador como um ladrão nem consideram que o plágio deva ser criminalizado. Antes, preferem analisar o que acontece na academia e pode estar na gênese de tão mal falado – e mal fadado – comportamento. Elas dividem o problema em duas vertentes. E ambas demonstram a necessidade de uma maior sensibilização para a ética e a integridade acadêmica.

A primeira vertente estaria associada ao silêncio: fala-se pouco com os estudantes e jovens pesquisadores a respeito desse assunto; parte-se do pressuposto de que todos já sabem as regras, como se elas fossem aprendidas mesmo quando não ensinadas. Como consequência desse equívoco, parte significativa dos casos de plágio ocorre de forma não intencional, por descuido ou desconhecimento das normas da comunicação acadêmica.

Já a segunda vertente remete à crise do ensino. Docentes sobrecarregados ou mal preparados não conseguem despertar nos alunos o prazer da arte de pensar e da criação intelectual. Demandam aos estudantes trabalhos enfadonhos, que, infelizmente, podem ser um convite ao plágio – ou à compra de trabalhos prontos, como meras mercadorias. Nessa mesma linha, a alta produtividade exigida dos pesquisadores pode estar entre os motivos para diversas modalidades de desvirtuamento, da publicação duplicada à falsificação de dados.

Com isso, as autoras não pretendem minimizar o problema do plágio. Pelo contrário: fazem críticas mordazes a quem adultera ou coloca a própria assinatura no trabalho alheio – o que não só pode ferir os direitos autorais e a propriedade intelectual, mas principalmente tem efeitos deletérios para a confiança que o público deposita na ciência. Há o plagiador que copia na íntegra; o que faz citações literais sem identificá-las entre aspas; o que muda uma ou outra palavra para disfarçar; o que faz paráfrases indevidas, deturpando o sentido original. “Uma obra ser aberta às releituras não significa reconhecer o estatuto anárquico do ‘tudo vale’”, advertem.

Debora e Ana comentam uma série de más-condutas que precisam ser combatidas – embora recheado de citações à arte e à literatura, o foco do livro é o plágio textual no ambiente acadêmico, especialmente no que se refere às ciências humanas. O diferencial das autoras é uma proposta de combate ao plágio que não se limite às sanções e que convide à reflexão.

O que é autoria? Como enfrentar o plágio sem restringir a liberdade criativa? Embora o livro termine com uma seção de perguntas e respostas, onde buscam resumir as principais questões discutidas ao longo do livro, Debora e Ana não têm a pretensão de esgotar o assunto. Pelo contrário: o objetivo é inquietar os leitores, estes atores-chave que podem ser muito mais eficientes que qualquer software caça-plágio. “São eles [os leitores] que dirão se nossa obra tem algo de criativo, inédito, original ou novo. Ou, simplesmente, se vale a pena lê-la”.

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