30/10/2017
Natanel Damasceno (Saúde Amanhã)
A sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), a necessidade de investimento contínuo em Ciência, Tecnologia e Inovação e a importância do monitoramento do desempenho do setor Saúde foram os elementos centrais do painel Perspectivas e desafios da Agenda 2030, o quarto do seminário Saúde, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, promovido pela rede Brasil Saúde Amanhã na Fiocruz. O evento, que aconteceu em setembro, reuniu pesquisadores em torno de quatro painéis temáticos que abordaram o atual contexto econômico e as tendências futuras para o financiamento setorial e o desenvolvimento sustentável, o acesso à água e ao saneamento, o direito à cidade e as políticas de proteção social no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O painel Perspectivas e desafios da Agenda 2030 recebeu três ex-presidentes da Fiocruz: Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e da rede Brasil Saúde Amanhã, que moderou o debate; Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz); e Carlos Morel, coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz). Ao lado deles, o pesquisador Josué Laguardia, do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), apresentou o Projeto de Avaliação do Desempenho dos Sistemas de Saúde e dos Serviços de Saúde (Proadess).
Referência internacional na área de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, Morel fez uma análise do caminho a ser trilhado pelo Brasil para que, em 2030, o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento de vacinas e medicamentos, bem como o acesso universal a esses produtos, estejam garantidos – um dos compromissos expressos no ODS 3. Para o pesquisador, o Brasil precisa rever a política adotada para o setor, sobretudo no que diz respeito ao financiamento da Ciência.
O risco da lógica financeira
“Quando falamos em Desenvolvimento, em Inovação, precisamos estar cientes da complexidade do processo. Empreendedorismo, por exemplo, é um tema que precisa ser aprofundado. Desde a Lei de Inovação, assinada em 2016, tenta-se descobrir o papel do Brasil nessa equação. É preciso questionar o que é bom, o que é ruim para o país. O que é Inovação numa empresa privada, o que é Inovação numa empresa pública? E o que seria Inovação na Fiocruz?”, provocou Morel.
O pesquisador apontou para o risco da financeirização do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Explicou que uma dinâmica regulada pelas finanças, sem um sistema universal de proteção social, como o SUS, tende a ser dominada pela lógica financeira. O pesquisador também condenou os cortes impostos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ressaltando que o orçamento de 2017 (R$ 523 milhões) foi menor que o de 2001 (R$ 552 milhões).
“O Brasil vinha obtendo destaque em pesquisas sobre doenças negligenciadas porque houve investimento. Os esforços do Ministério da Saúde e de vários programas fizeram com que o foco das pesquisas estivesse em doenças nas quais tínhamos interesse. Eu me pergunto se isso vai acontecer daqui para frente, se quem ditar as regras do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde for o mercado. O papel que o Brasil teve durante a epidemia de zika, e que a África não teve no caso ebola, foi fruto de investimento público de décadas. Uma estratégia continuada, planejada. Estamos voltando atrás numa velocidade incrível”, alertou Morel.
Agenda 2030 em perspectiva
O sanitarista Paulo Buss, que vem participando de pré-conferências, cúpulas e encontros globais sobre desenvolvimento sustentável desde a concepção da Agenda 2030, traçou um panorama do que está sendo feito desde que o acordo foi firmado, em 2015. E, apesar de reconhecer pontos críticos e contradições na proposta, afirmou que a iniciativa é a mais pertinente política intergovernamental em vigência no plano global. “Apesar de todas as suas limitações, a ONU ainda é o melhor espaço de negociação para tratar de acordos internacionais que permitam avanços na direção de um estado de bem-estar, saúde e desenvolvimento sustentável. Sem esse espaço, o interesse de alguns países imperará no cenário internacional, cada um fechado em si, buscando ganhar mais e mais espaço, para se valorizarem politicamente”, ponderou.
O pesquisador, que representou o Brasil e a Fiocruz nas pré-conferências da Agenda 2030, chamou a atenção para o fato de que os ODS são interdependentes e de que todos estão conectados ao ODS 3, que preconiza a garantia de uma vida saudável e a promoção do bem-estar para todos, em todas as idades. “Há uma forte interpenetração entre as várias metas e os meios de implementação dos diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isso deve ser levado em conta, porque a maioria dos outros 16 ODS, que não o da vida saudável, compõe o que nós conhecemos como os determinantes sociais da saúde. Portanto, para garantir vida saudável e bem-estar a todos, não há como trabalhar apenas com metas para o setor Saúde”.
Qualidade da informação para o monitoramento
A última palestra do seminário, Monitoramento do desempenho do setor Saúde, ficou a cargo do pesquisador Josué Laguardia, que apresentou a Plataforma de Monitoramento e Avaliação de Indicadores de Saúde (Proadess), desenvolvida no Icict/Fiocruz. “O Proadess é um instrumento valioso para acompanharmos e avaliarmos o percurso do Brasil e do SUS rumo ao cumprimento dos ODS. Seu diferencial em relação a outros métodos de avaliação e monitoramento de indicadores de saúde é ter uma matriz conceitual que reforça a importância dos determinantes sociais e que coloca a equidade como elemento central do sistema de saúde”, afirmou o pesquisador.
Laguardia contou que o Proadess começou a tomar forma a partir de 2001, quando um grupo de pesquisadores da Fiocruz passou a se reunir para formular um modelo de avaliação do SUS que observasse como são cumpridos os seus princípios e diretrizes: universalidade, equidade, integralidade, descentralização, hierarquização e participação social. E definiu a Plataforma como uma resposta à proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS), do ano 2000, de criar um ranking para os sistemas de saúde de todo o mundo a partir de um único indicador, composto por três níveis: o de saúde, que integra a medida da expectativa de vida ajustada ao nível de incapacidade e a desigualdade, dentro de cada país, para a mortalidade na infância; o de distribuição e responsividade, que engloba aspectos não-médicos do atendimento; e o de justiça na contribuição social, que considera a proporção dos gastos destinados ao setor Saúde.
“Eis o problema de trabalhar com um único conjunto de indicadores para o ranqueamento de diferentes sistemas de saúde: dentre os então 191 países-membros da OMS, 94 não tinham nenhuma das informações requeridas pelo ranking. Além disso, era uma avaliação que eliminava, em seu bojo, a questão da equidade. Esse é um desafio que o Brasil e o SUS deverão enfrentar para o monitoramento dos ODS”, concluiu.