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27/01/2023

Revista Radis destaca reconstrução democrática

Luiz Felipe Stevanim (Revista Radis)


Por onde começar? Uma palavra que esteve muito presente na cobertura de Radis nos últimos anos foi desmonte. O termo — que faz lembrar um edifício sendo demolido — tentava dar conta de um contexto em que as políticas públicas e os direitos da população como um todo não apenas eram ameaçados, mas deliberadamente atacados. E diante de uma casa que teve as paredes destruídas, é preciso remover o entulho, avaliar a dimensão do estrago e recomeçar.

As urnas afirmaram a vitória do presidente Luís Inácio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022, com 50,90% dos votos, após uma disputa eleitoral tumultuada e com episódios de violência política. O mandato que se inicia em 1º de janeiro de 2023 tem pela frente a tarefa de reconstruir políticas públicas que foram desmanteladas nos últimos anos, entre elas o próprio Sistema Único de Saúde (SUS), estrangulado em plena pandemia de Covid-19. Se nos últimos anos “desmonte” foi a palavra da vez, de que ponto é preciso retomar? Que dificuldades estão colocadas para o próximo governo e o que é possível esperar do futuro? Que pautas devem ser prioridade do novo presidente? E como a sociedade pode ampliar a sua participação nas decisões?

Todas essas questões estiveram presentes no 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, que aconteceu em Salvador, Bahia, entre 21 e 24 de novembro de 2022. O encontro promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), conhecido afetuosamente como Abrascão 2022, propôs o resgate de um lema do passado do Movimento Sanitário — Saúde é democracia — para refletir sobre as dificuldades do presente e os caminhos possíveis para o futuro. O tema do evento sugeriu ainda a articulação entre três eixos — diversidade, equidade e justiça social — que dão algumas pistas dos desafios que estão colocados na agenda política e social para os próximos anos.

Radis mergulhou nas discussões do congresso em busca de responder a uma pergunta: o que podemos esperar das políticas públicas em 2023? E mais: se o momento é de reconstrução, que SUS queremos transformar em realidade? Ao olhar para o futuro, não devemos ter a ilusão de que será possível “reviver” o passado — foi uma frase dita de diferentes maneiras ao longo do encontro. É preciso ir além, porque os desafios do presente são maiores: não apenas retomar a democracia como também enfrentar temas como as desigualdades, a exclusão de parcelas significativas da população, o racismo e as mudanças climáticas.

Para quem são as políticas públicas?

Cortes na ciência e na educação. Retrocessos nas políticas de saúde, da luta contra a aids à saúde mental e indígena. Extinção dos Conselhos que garantiam participação da sociedade nas políticas públicas. Decadência das ações de incentivo à agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Ausência de dados que orientam a tomada de decisão, com o desmonte de órgãos responsáveis por políticas sociais e ambientais. Paralisação na demarcação de terras indígenas e no reconhecimento de territórios quilombolas. Ataque aos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. E negligência na compra de vacinas durante a pandemia.

Esses são apenas exemplos de uma extensa lista de políticas que viram os recursos minguar ou sofreram ataques frontais desde a aprovação do Teto de Gastos, em dezembro de 2016 — e mais especificamente, desde 1º de janeiro de 2019, com a posse de Jair Bolsonaro. Os desafios colocados para o governo do novo presidente da República passam pela reconstrução de políticas públicas interrompidas ou prejudicadas nos últimos anos; porém, vão além: incluem a urgência de rever erros do passado e enfrentar as desigualdades sociais e étnico-raciais para fortalecer a democracia e garantir cidadania plena para toda a população.

“A democracia nunca está dada por si só. Ela é um processo a ser constantemente construído, defendido e aperfeiçoado”, declarou, em um dos grandes debates do Abrascão, Jarbas Barbosa, eleito diretor geral da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para um mandato que se inicia em 2023. Segundo o médico brasileiro, os sistemas de saúde se fortalecem quando há capacidade de diálogo, liberdade e participação ativa das populações que usam esses serviços. “É só em um ambiente democrático em que se pode debater de maneira aberta que podemos transformar o direito à saúde em realidade”.

Os períodos críticos da pandemia mostraram, na visão de Jarbas, a importância de um sistema público universal capaz de fazer a diferença “entre a vida e a morte”. “A pandemia também ressaltou como é importante contar com uma atenção primária forte, capaz de fazer a mobilização da comunidade e de responder a esse complexo quadro epidemiológico que temos nas Américas como um todo”, destacou. Segundo o médico epidemiologista, entre as seis regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS), “as Américas são a região mais inequitativa” — “são iniquidades tanto entre os países quanto no interior de cada um deles”. Um dos exemplos é que, durante a pandemia de Covid-19, pessoas mais pobres, negras e indígenas tinham mais chance de morrer.

Olhar para essas populações e enfrentar as desigualdades deve ser uma das agendas prioritárias do próximo governo. “Se os povos originários não se sentem acolhidos nos serviços de saúde, eles pensarão várias vezes antes de buscar atendimento. O mesmo acontece com a população LGBT. Precisamos remover as barreiras de acesso à saúde, incluindo o preconceito”, apontou. De acordo com Jarbas, a saúde pode ajudar na garantia de renda e a quebrar o ciclo da pobreza, pois “a família se torna mais pobre quando há o adoecimento crônico” de um de seus membros. “A saúde precisa estar no centro da agenda do desenvolvimento social e econômico”, assinalou.

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Confira a edição de janeiro de 2023 da publicação na íntegra

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