12/05/2016
André Costa (Agência Fiocruz de Notícias/AFN)
Quais são as lições do desastre da Samarco e quais erros não podem voltar a ser cometidos para que desastres semelhantes aconteçam? E como criar um modelo de desenvolvimento social, diferente de um extrativismo mineral destrutivo e voltado apenas para o lucro? As duas mesas-redondas do segundo dia (6/5) do seminário O desastre da Samarco: balanço de seis meses de impactos e ações discutiram questões como estas, reunindo acadêmicos, representantes de movimentos sociais, atingidos e formuladores de políticas públicas.
Confira aqui galeria de fotos especial de visitas a cidades atingidas.
Trecho de rio atingido pelo desastre na cidade de Paracatu de Baixo (foto: Peter Ilicciev)
A mesa da manhã, denominada Lições do Desastre da Samarco para a preparação, resposta e reconstrução – os erros que não mais podem ser cometidos trouxe perspectivas de um representante da Organização das Nações Unidas (ONU), do chefe da defesa civil em Minas Gerais e dois acadêmicos sobre o tema. Esta se concentrou, sobretudo, em quais fatores levam a grandes desastres, e o que pode ser feito para diminuí-los.
Primeiro palestrante do dia, o coordenador no Brasil da Estratégia Internacional para a Redução de Desastres das Nações Unidades (UNISDR, na sigla em inglês), David Stevens, desenvolveu algumas ideias que havia apresentado na véspera, na mesa de abertura do evento. “O problema não é o risco em si, mas a falta de governança que levou a desastre”, disse, reafirmando que riscos são inerentes à vida, e que as formas de lidar com ele que devem mudar.
Stevens defendeu quatro ações prioritárias para evitar novos desastres como o de Mariana, que não foram respeitadas pela Samarco e nem pelo poder público: 1) a compreensão do risco; 2) o fortalecimento de um sistema governança para gerenciar o risco do desastre; 3) investimentos na redução do risco e para a construção de resiliência, para que a reconstrução se dê de maneira mais rápida e menos onerosa em todos os sentidos; 4) melhorias na participação social, para possibilitar respostas mais eficazes. O representante da ONU encerrou incitando os diferentes setores envolvidos ao diálogo, para ele, a única solução possível: “Espero que a sociedade, a comunidade e o setor acadêmico percebam que não há soluções radicais possíveis. Nossa mudança vai ser de longo prazo”, afirmou.
Alexandre Lucas, por sua vez, que atualmente é secretário-geral da Defesa Civil de Minas Gerais, compartilhou sua experiência de mais de 20 anos no setor. Lucas apresentou o conceito de cidade resiliente, segundo ele aplicado com sucesso em Belo Horizonte -- o município recebeu o prêmio Sasakawa das Nações Unidas em 2013, que premia trabalhos de prevenção, preparação e recuperação de desastres. Uma cidade resiliente, disse Lucas, é aquela que tem a capacidade de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente dos efeitos de um desastre, de maneira a prevenir que vidas e bens sejam perdidos.
Segundo o coronel, para a construção desta resiliência é necessária uma visão sistêmica, que congregue todos os atores políticos, administrativos e econômicos com vocação para a prevenção e a resposta aos desastres, assim como a colaboração com a comunidade. Lucas encerrou sua apresentação afirmando que os principais desafios para a construção desta resiliência é a manutenção de políticas de redução de risco numa realidade de restrição orçamentária e a consolidação da importância de uma visão sistêmica da área, capaz de resistir a alternâncias de governo.
Em seguida, Mário Jorge Freitas, do Laboratório de Estudos de Riscos e Desastres da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), fez uma reflexão sobre a percepção do desastre: embora o rompimento da barragem tenha sido um “acidente de caráter criminoso, possível graças a uma perversa conjunção de alianças espúrias entre políticos, setores do poder público e interesses econômicos agressivos”, isto, entretanto, não impede que moradores de Mariana permaneçam ao lado das mineradoras; de acordo com o palestrante, ao longo do evento, várias vezes foi dito que moradores da cidade têm preconceito com atingidos.
Ainda segundo Freitas, uma mudança desta percepção, contudo, é possível. Para isso, seria necessária a criação de um rede de informações contra-hegemônica, que promova uma “grande batalha pela reflexão e redefinição de termos e conceitos”. “É importante que os pensamentos sejam complexos. O grito de revolta é muito importante, mas a construção de soluções não é só o grito”, resumiu.
Último palestrante da parte da manhã, o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Público (Ensp/Fiocruz) Carlos Machado de Freitas fez palestra sobre as características inerentes a desastres. Nenhum desastre, afirmou, deve-se a uma causa única, mas a um acúmulo de pequenas falhas que são transformadas em normalidade ao longo do tempo. “Os desastres constituem fraturas expostas dos sistemas tecnológicos, permitindo vislumbrar um universo pouco acessível em situação habituais, onde anormalidades, acidentes e desastre de menor impacto são tornados invisíveis e transformados em normalidades”, destacou.
O pesquisador afirmou que o rompimento da barragem possibilitou a todos perceber que havia uma estrutura muito precária em termos de estrutura de defesa civil em torno dela. Ele acrescentou que desastre não apenas riscos revela os riscos já existentes, mas também traz ameaças inéditas, como, por exemplo, novas doenças. “A Samarco era considerada uma das empresas mais seguras. O desastre nos permite ver que não estamos seguros e outros desastres podem ocorrer”, concluiu
Confira também a cobertura da quarta e última mesa-redonda do evento (tarde de 6/5):
Atingidos pelo desastre relatam dramas pessoais em seminário
Na AFN
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