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01/03/2006

Victor Valla

O ingresso na Fiocruz

Ricardo Valverde


Foto: Peter Ilicciev.
 

Em 1984, quando o regime militar se aproximava do fim, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), uma unidade da Fiocruz, abriu concurso para preencher vagas de professores. Incentivado por amigos, Victor prestou os exames e obteve o primeiro lugar. Começava então a sua história com a Fiocruz, que já dura mais de 20 anos, na qual experimentou o auge de sua capacidade intelectual e não só isso: onde ele "pôs a mão na massa" ao desenvolver trabalhos diretamente com os pobres. Ele ingressou como professor-adjunto do Departamento de Ciências Sociais (DCS) da Escola e deu aulas de educação em saúde e metodologia da pesquisa. E levou a favela para a Ensp.

"Nunca encontrei resistência por trazer o tema das favelas para a academia. Aliás, eu vim para isso. Passei a ter um contato bem próximo com as comunidades, desde a criação do Centro de Estudos da População da Leopoldina (Cepel), criado entre 1987 e 1988. Era uma idéia nossa, do grupo que organizou o Cepel, de que deveria haver um centro em que os moradores da região obtivessem conhecimento para reivindicar seus direitos e demandas. Não cabia a nós capacitá-los politicamente, porque a ditadura havia terminado e os partidos, bem como a vida política, tinham voltado a funcionar normalmente. O papel dos pesquisadores da Ensp era o de oferecer embasamento técnico sobre questões de saneamento, saúde, educação, além de juntar documentação e propostas sobre esses temas. Eles estavam totalmente à margem da sociedade instituída", lembra Victor.

A sede do Cepel ficava no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio - as atividades foram encerradas em 2004 e o arquivo da instituição está sendo transferido para a Biblioteca da Ensp. A abordagem inicial dos pesquisadores foi a de freqüentar reuniões de profissionais de saúde com a população da Leopoldina, região onde também está a Fiocruz. Havia um Grupo Executivo Local (GEL) e por meio dele conheceram o Cepel e os problemas dos moradores. "Eles oferecem mais do que nós. O que temos a oferecer eles já sabem. O que eles oferecem, não sabemos. Uma vez uma mulher me disse: 'a água cai quando o técnico da companhia de água e esgotos acha que tem que cair. Aí todo mundo levanta de madrugada e fica por três, quatro, cinco horas colhendo. Aquela água serve pra tudo, durante a semana. Tem que dar pra tudo, porque não se sabe quando vai cair novamente, mesmo de madrugada. Quando eu terminava de recolher, tinha que sair pra trabalhar, porque já era dia'... Foi uma grande lição. Essa percepção só se tem quando se está lá, conhece o morador, vive com ele". É o que Victor chama de pesquisa de investigação popular, diferente da pesquisa de investigação científica.

Para Victor, o Cepel foi um brilhante momento de fusão da vida acadêmica com as aspirações populares. "Não acho a academia avessa aos pobres. A classe média é que é avessa, porque tem medo das classes populares. Para grande parte da classe média brasileira a questão social tem que ser resolvida pela polícia. Todos aprendemos que 'quem sabe somos nós', e como o pobre não estudou, portanto ele não sabe. O que estudamos não resolve o que o pobre vive, porque a universidade não é o lugar adequado pra isso", afirma Victor. Para ele, a religiosidade ajuda a entender os pobres, porque trata-se de um código que eles dominam e vivem. "Aí chega o pesquisador e do alto de seus títulos acadêmicos acredita que está ali para dirigir os pobres. Por exemplo: numa reunião de um partido político, a dona Maria entra e quer participar. O orador diz: 'fala, dona Maria'. Ela fala: 'em frente a minha casa tem buraco, enche quando chove, tem muita lama etc'. E o orador: 'muito bem, dona Maria, obrigado, agora vamos prosseguir'. Ou seja, o intelectual não conhece, não tem o que oferecer. Essa é uma forma de pensar da classe média", argumenta Victor, que foi um dos fundadores do PT no Rio.

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