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01/03/2006

Victor Valla

Rumo ao Nordeste, carregando esposa e filhos

Ricardo Valverde


O amor, que até então não havia aparecido na vida de Victor, continuou a não fazer parte dela, mesmo quando ele se casou. "Não me apaixonei, mas casei, o que é uma coisa dura de reconhecer", diz Victor. A escolhida, Lúcia Helena, era professora do Colégio Notre Dame de Campinas. Segundo Victor, ela era curiosa, mas não tão politizada quanto ele gostaria que fosse. Tiveram três filhos: a educadora Claudia Maria, hoje com 38 anos e que trabalha com crianças de rua, o fisioterapeuta André Ricardo, de 36, e o comerciante Henrique Eduardo, de 34, que moram em Campinas. Victor tem dois netos, filhos da primogênita. E tem outra filha, a estudante de biologia Daniela, do segundo casamento, que mora no Rio.

Foto: Peter Ilicciev.
 

Depois do casamento Victor viveu outro momento missionário. A vontade de conhecer este país de dimensões continentais, tão diferente da Califórnia, do Texas e de tudo que vira no Norte do continente, falou mais alto e ele pediu demissão do ITA. Carregando toda a família, foi para o Nordeste, o que era algo comum entre os cristãos. Instalaram-se em Ilhéus, cidade imortalizada pelos romances de Jorge Amado e pela cultura do cacau, e onde trabalhava como conselheiro de uma escola técnica de agricultura. "Foram dois anos dando aula. Eu queria conhecer os pobres, saber como viviam", afirma Victor, que até hoje trabalha com essa temática, inspirada nos conceitos do sociólogo José de Sousa Martins. Para Martins, os intelectuais não conhecem e têm dificuldade em compreender os pobres porque deles se afastaram. Não demorou muito e, com as origens cristãs ainda fortes e vivas, Victor se aproximou da teologia da libertação com sotaque nordestino e sabor de chocolate.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a experiência baiana o pôs em contato com a teologia da libertação - uma corrente católica formada por bispos, padres e leigos latino-americanos que bebeu da fonte da análise marxista da sociedade - o afastou em definitivo da Igreja institucional. O motivo foi uma briga com um padre que não rezava pela mesma cartilha progressista. Como os mais pobres não iam à missa, Victor passou a organizar cultos na periferia, utilizando publicações do teólogo da libertação Carlos Mesters nos quais se fazia o debate da realidade miserável daquela população, à luz dos ensinamentos cristãos. Entrou então em cena o padre, que começou a pregar contra a presença de Victor no local. O sacerdote, para criticar o americano, referia-se genericamente, no púlpito, a "esses estrangeiros que vêm causar problemas". Victor, que já havia rompido com a Ordem, dá um passo maior: deixa a religião. "Até aquele momento eu ainda era católico, mas ali me desliguei".

Era hora de mudar, novamente. Victor reúne mulher e filhos e vai trabalhar no curso de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, em 1975. "Foi minha quarta fase de politização. Pertenci a um grupo que se reunia pra estudar O capital, e eu adorava aquilo". As aulas o fizeram próximo da Ação Popular, um movimento de esquerda que tinha origem nos grupos católicos que combatiam o regime militar, em especial a Juventude Universitária Católica (JUC). Na mesma época, dava aula de supletivo nas favelas dos morros da Coroa e dos Prazeres, no bairro de Santa Teresa, no Rio. Uma experiência que acredita ter sido bastante enriquecedora. "Eu era questionado por pessoas das classes populares, e isso me fazia parar para ouvir e tentar entender o que diziam". A vida de Victor estava dividida entre a UFF e a Fundação Getúlio Vargas durante o dia e o supletivo, no qual começou em 1979, à noite.

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