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04/09/2013

'Aedes aegypti' infectado com dengue é mais ávido por sangue

Isadora Marinho


Estima-se que, mesmo em tempos de epidemia, uma parcela reduzida dos mosquitos Aedes aegypti no meio ambiente esteja naturalmente infectada com o vírus da dengue. No entanto, a doença pode se disseminar com velocidade intrigante. Este paradoxo levou o biólogo Gabriel Sylvestre a investigar o impacto da infecção do vírus na biologia do vetor, com ênfase no seu comportamento alimentar. Os estudos realizados durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) trouxeram evidências claras: os insetos são impactados negativamente pelo vírus, mas podem ficar mais ávidos por sangue. O fenômeno, cujas causas moleculares ainda são desconhecidas, pode ajudar a ciência a entender por que a dengue é, hoje, o agravo transmitido por mosquitos que se espalha mais rapidamente pelo globo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os achados foram publicados em dois artigos veiculados na revista científica Plos One. Confira o estudo.

O estudo aponta que o Aedes é impactado negativamente pelo vírus, mas pode ficar mais ávido por sangue. Foto: Gutemberg Brito.

 

Gangorra de efeitos

Os efeitos do vírus da dengue sobre o A. aegypti já haviam sido alvo de estudos desenvolvidos pelo orientador do mestrado de Sylvestre – o pesquisador Rafael Freitas, do Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC. Freitas venceu o Prêmio Capes de Teses de 2011 na categoria ciências biológicas 3 com pesquisa que verificou os impactos do vírus sobre a reprodução e a longevidade das fêmeas de A. aegypti. Nos estudos realizados por Sylvestre, estes dados ganharam corroboração e aprofundamento.

Os estudos concluem que a presença do vírus no mosquito lhes traz, em geral, efeitos nocivos que poderiam desfavorecer a transmissão da doença. No campo da longevidade, o impacto é negativo: Sylvestre confirmou os dados anteriores de que a infecção pelo vírus reduz o tempo de vida da fêmea pela metade. No que se refere à fecundidade, é comum que fêmeas infectadas não coloquem ovos. No entanto, quando o fazem, depositam cerca de 60% menos ovos do que as fêmeas não infectadas, mostrando um importante prejuízo na capacidade de reprodução. Outro impacto negativo, desta vez identificado de forma inédita, diz respeito ao tempo maior que a fêmea infectada leva para encontrar alimentos e sugar o sangue. “Ao demorar mais na localização e no processo de alimentação, a fêmea se torna mais vulnerável às ações de defesa do hospedeiro”, explica o biólogo.

Apesar das ações negativas sobre a longevidade, fecundidade e o tempo de localização da fonte sanguínea, um efeito do vírus sobre o mosquito identificado pelos pesquisadores preocupa: a fêmea de Aedes infectada com o vírus da dengue mostrou-se mais predisposta a realizar novas alimentações sanguíneas - comportamento este que pode potencializar a transmissão da doença. Em ambos os estudos, foram utilizados mosquitos coletados em campo e criados em colônias de laboratório, infectados com o sorotipo 2 do vírus da dengue. Segundo dados epidemiológicos, este sorotipo esteve, na última década, dentre os de maior circulação entre a população brasileira.

Mosquitos mais fracos

Uma fêmea só transmite o vírus dengue entre 10 e 14 dias após se alimentar de uma pessoa infectada. E é a partir deste momento que têm início as principais mudanças comportamentais observadas, até então, no vetor. Para testar os efeitos da infecção pelo vírus, foi realizado o seguinte experimento: tubos de plástico, cada um contendo uma fêmea do mosquito, foram posicionados contra a barriga de um camundongo anestesiado. “Cronometramos o tempo que cada mosquito demorava para encontrar e picar, pela primeira vez, a barriga do camundongo; o tempo de ingestão do sangue; e o tempo total da alimentação. Em todos estes aspectos, a partir do 14º dia pós-infecção, os mosquitos foram mais lentos”, afirma o biólogo.

Os testes mostraram que, no 14º dia pós-infecção, os mosquitos com o vírus tinham sido reduzidos a 34,3% do número inicial, enquanto 75,2% dos mosquitos controle, ou seja, não-infectados, ainda permaneciam vivos. De acordo com o biólogo, a explicação pode ser um fenômeno conhecido como trade-off. Nessa linha, o vetor seria capaz de alocar recursos energéticos para criar uma resposta imune ao vírus da dengue, o que, por sua vez, diminuiria o investimento em outras atividades, tais como produção de ovos e longevidade.

Mosquitos mais ávidos

Conduzido pelo pesquisador Rafael Freitas, o estudo que procurou mensurar a avidez do vetor na alimentação apontou, pela primeira vez, a existência de um comportamento que favorece a transmissão da dengue. Neste experimento, realizado 7 e 14 dias após a infecção, a alimentação das fêmeas era interrompida. Ou seja, os mosquitos eram alimentados apenas parcialmente, simulando uma situação em que o hospedeiro afasta ou impede o vetor de finalizar a refeição. Entre duas e três horas após, lhes era oferecida uma segunda oportunidade para picar o camundongo. “A fêmea infectada do Aedes é, de fato, mais lenta para encontrar alimento. Mas, após a primeira picada, ela se torna mais ávida para se alimentar novamente, independentemente da quantidade de sangue ingerida na primeira vez. Isto é um problema, visto que já é da natureza desta espécie picar diversos hospedeiros, potencializando a transmissão do vírus”, conta Freitas.

Ainda de acordo com o pesquisador, este aumento da avidez pode ser fruto de modificações fisiológicas, de ordem molecular ou bioquímica, provocadas pelo vírus, que se dissemina por todos os tecidos do mosquito: cabeça, patas, asa, ovários, corpo gorduroso e músculos. “Sempre imaginamos que haveria uma mudança grave de comportamento. Agora, entendemos que essa dinâmica da infecção altera suas atividades e, embora minimize a transmissão na maior parte das vezes, também a favorece, a partir de outros mecanismos que apenas agora estamos conseguindo compreender”, analisa. “Ainda não contamos com vacinas ou uma cura para a doença, por isso, quanto mais conhecermos as fraquezas do Aedes, mais estratégias inovadoras poderemos desenvolver para combatê-lo”, conclui Sylvestre.

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