21/05/2018
Cristiane Albuquerque (COC/Fiocruz)
Quem visita o campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro, depara-se com uma série de construções históricas que chamam atenção pela beleza da arquitetura. Este conjunto de prédios formam o Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), composto por edificações erguidas nas primeiras décadas do século 20: Pavilhão do Relógio ou da Peste; a Cavalariça; o Quinino ou Pavilhão Figueiredo Vasconcellos; o Pombal ou Biotério para Pequenos Animais; o Hospital Evandro Chagas; e a Casa de Chá. O Pavilhão Mourisco, mais conhecido como Castelo da Fiocruz, símbolo da instituição, também compõe o NAHM, e é considerado uma das únicas construções do Rio de Janeiro em estilo eclético com forte influência mourisca. Em 2018, o Castelo Mourisco completa 100 anos.
Vista geral do campus da Fiocruz no Rio de Janeiro na década de 1920. Na imagem, o Castelo Mourisco, a Estrebaria, a Cavalariça, o Pavilhão do Relógio e o Aquário (foto: Acervo COC/Fiocruz)Construídos com o que havia de mais moderno à época, o objetivo era que representassem um complexo de produção e pesquisa esteticamente marcante para abrigar o recém-criado Instituto Soroterápico Federal. Projetados entre 1903 e 1919, todos os prédios são de autoria do arquiteto português Luiz Moraes Junior, e foram idealizados com a participação do próprio Oswaldo Cruz. “Este complexo foi concebido aos poucos, de acordo com as demandas e necessidades de Oswaldo Cruz. Os edifícios representam o que havia de mais moderno no Rio de Janeiro, em termos de instalações de laboratórios de pesquisa sobre soros e vacinas, ao mesmo tempo que participavam da reforma da saúde pública brasileira”, explicou Renato Gama-Rosa, o arquiteto, urbanista e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Por meio do Departamento de Patrimônio Histórico da COC são realizadas ações de manutenção, conservação e restauração do patrimônio arquitetônico da Fiocruz, desde a década de 1980. Em 1981, o Pavilhão Mourisco, o Pavilhão do Relógio e a Cavalariça foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O primeiro edifício construído, em 1904, foi o Pavilhão do Relógio. Pensado para abrigar as atividades relacionadas ao bacilo da peste bubônica, como a preparação do soro ou vacina, foi originalmente chamado de Pavilhão da Peste. Com influências da arquitetura inglesa, o prédio apresenta uma pequena torre que abriga o relógio, e se destaca no centro da construção. O espaço, que abrigava a direção da COC, foi desocupado recentemente, e será utilizado para receber exposições. No mesmo ano foram erguidos a Cavalariça e um biotério para pequenos animais – o Pombal.
O primeiro edifício construído, em 1904, foi o Pavilhão do Relógio (foto: Peter Ilicciev)
A Cavalariça, projetada e construída também em 1904, representa uma sólida construção que abrigava os cavalos saudáveis e inoculados com a peste. Com características semelhantes as cavalariças inglesas, possui gradis de inspiração art nouveau, além de escada em caracol, fabricados sob medida na Alemanha, em ferro fundido. Para evitar contaminação dos profissionais ao alimentar os animais e facilitar a limpeza do local, o prédio possuía um corredor elevado ao longo do espaço destinado as baias, paredes azulejadas e o piso com ligeira inclinação para escoamento das águas. Outro traço de modernidade do prédio era o sistema automático flushing tank, que trocava a água das baias de quatro em quatro horas. Na sala em que era realizada a sangria dos animais, localizada em um dos extremos do prédio, havia um compartimento subterrâneo para onde o sangue era levado por um pequeno elevador de carga. A cavalariça foi idealizada para que até os refugos dos animais fossem aproveitados: as fezes eram levadas para uma estrumeira, onde entravam em fermentação. Os gases condensados eram usados para a iluminação do prédio e o estrume servia de adubo para as plantas. O Pavilhão do Relógio, a Cavalariça, além do Quinino, edificado anos mais tarde, se encontram sobre a colina mais alta do campus Manguinhos e são articulados entre si e com o Castelo pela Praça Pasteur, que se caracteriza pelo espaço público que os envolve.
Construído em espaço mais afastado dos demais edifícios, o Pombal foi pensado para abrigar o biotério de pequenos animais utilizados nas pesquisas realizadas pelo então Instituto Soroterápico Federal. Na construção, o arquiteto Luiz Moraes Junior utilizou formas geométricas puras na confecção de pequenos pavilhões que compõe, juntamente com a torre central, um conjunto leve, harmônico e despretensioso.
Construído em espaço mais afastado dos demais edifícios, o Pombal foi pensado para abrigar o biotério de pequenos animais utilizados nas pesquisas realizadas pelo então Instituto Soroterápico Federal (foto: Peter Ilicciev)
Diferentemente da arquitetura das outras edificações do Núcleo Histórico, a Casa de Chá, de 1905, possui uma estrutura de madeira do tipo gaiola, com painéis treliçados servindo de vedação. No espaço utilizado por Oswaldo Cruz e seus discípulos para realizarem as refeições existiam algumas árvores, entre elas uma figueira muito apreciada pelo cientista. A solução encontrada pelo arquiteto foi erguer o caramanchão sem derrubar as árvores, que varavam o telhado. A figueira não resistiu a ação de herbicidas mal aplicados e acabou sendo morta na década de 70.
Diferentemente da arquitetura das outras edificações do Núcleo Histórico, a Casa de Chá, de 1905, possui uma estrutura de madeira do tipo gaiola, com painéis treliçados servindo de vedação (foto: Peter Ilicciev)Anos mais tarde, em 1918, após a morte de Oswaldo Cruz, foi concluído o Hospital de Manguinhos, chamado atualmente de Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), que em 2018 também completa 100 anos. Formado por uma estrutura pavilhonar e funcional, o espaço deveria abrigar os estudos clínicos e experimentais das doenças endêmicas no Brasil. O prédio de um pavimento com sótão e sobre porão alto, com arquitetura sóbria e simétrica, possui como ornamento uma grade de ferro batido que cerca a varanda ao redor de todo o edifício. Localizado na colina menor do terreno, a ideia era que ficasse isolado dos laboratórios do Instituto.
Em 1918, após a morte de Oswaldo Cruz, foi concluído o Hospital de Manguinhos, chamado atualmente de Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) (foto: Acervo CCS/Fiocruz)
Último edifício a ser erguido, a partir de 1919, o Pavilhão Figueiredo de Vasconcelos, conhecido como Quinino, abrigava os laboratórios responsáveis para produção de quinina, substância utilizada na prevenção da malária. Diferentemente dos outros prédios do NAHM, o Quinino foi construído com dois pavimentos e apresenta espaços distribuídos ao redor de um pátio central. Na década de 1940, sua arquitetura original sofreu algumas alterações: no hall de entrada, a escada monumental foi substituída por um elevador e pela escada atual, além do acréscimo de mais dois andares.
Até 1960, um Aquário de água salgada também fez parte do NAHM. Construído em 1915, com ligação direta com o mar, foi pensado para abrigar os estudos com microrganismos aquáticos. Com configurações mais assimétricas, em estilo eclético, suas características mais contemporâneas contrastavam com as dos outros edifícios do conjunto. Em 1939, com o aterro realizado para a construção da Avenida Brasil, o aquário perdeu sua ligação com o mar. Foi demolido posteriormente.
Até 1960, um Aquário de água salgada também fez parte do NAHM. Na imagem, o prédio se encontra atrás do Pavilhão do Relógio (foto: Acervo CCS/Fiocruz)
“As semelhanças entre os edifícios estão na simetria, na escala, à exceção do Castelo, no revestimento interno e externo (granito, tijolos aparentes, azulejos brancos, pisos cerâmicos, o uso da madeira), características que garantem um estilo eclético ao conjunto arquitetônico. Além disso, todos eles representam o esforço de Oswaldo Cruz em dotar a ciência e a saúde brasileiras, e a cidade do Rio – capital federal à época –, com modernas instalações à serviço da sociedade brasileira, o que se mantêm até hoje dada a qualidade de seus projetos e construções e os esforços da Fiocruz em conservar este patrimônio”, explicou Renato Gama-Rosa, completando que o Pombal pode ser considerado o projeto mais livre do NAHM. “Formado por construções supersimples, baseado na geometria, o Pombal possui espaços funcionais reservados para os animais, pouco decorativos e sem muito arabescos, uma vez que precisava ser uma construção funcional”, disse Gama-Rosa.
Castelo Mourisco visto do prédio do Aquário em 1910 (foto: Acervo COC/Fiocruz)
Para a preservação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da COC/Fiocruz trabalha continuamente na conservação da integridade física e arquitetônica dessas edificações. “O DPH desenvolve pesquisas, levantamentos, projetos, ações de manutenção e obras de restauração voltadas à conservação da integridade física e arquitetônica dessas edificações e à adequação dos usos em constante transformação. Também desenvolvemos ações de valorização desse patrimônio junto à comunidade Fiocruz e à sociedade, além de colaborar na formação e capacitação de artífices que atuam com esse acervo”, finalizou Cristina Coelho, chefe do Departamento. Além do NAHM, o DPH atua na preservação de outros locais onde Fiocruz possui acervo arquitetônico, como no Palácio Itaboraí. Localizado no bairro Valparaíso, em Petrópolis, o Palácio foi construído em 1892 para residência de verão do projetista e construtor italiano Antonio Jannuzzi. Em 1998 a Fundação Oswaldo Cruz recebeu o Palácio em cessão de uso.
25/5/2018.