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19/09/2016

Não há lirismo no suicídio: quando os anos pesam

Graça Portela (Icict/Fiocruz)


"E, hoje, descrente de tudo / Me resta o cansaço, / Cansaço da vida, / cansaço de mim, / Velhice chegando / E eu chegando ao fim"

Solidão, abandono, perda do cônjuge e/ou do status social, agressões físicas, violência ambiental, dores físicas permanentes e frequentes, transtornos de espectro depressivo, alcoolismo, além de morbidades físicas e mentais que afetam a autonomia do indivíduo. Esses são alguns dos problemas que fazem com que os idosos sintam-se como na música Ninguém me ama de 1952, cantada por Nora Ney, e pensem em acabar com a própria vida.

Apesar do Estatuto do Idoso (Lei Federal n° 10741, de 1° de Outubro de 2003) reconhecer os direitos das pessoas idosas (cidadãos com 60 ou mais anos), ressaltando e assegurando direitos, as taxas de suicídio entre idosos no Brasil ainda são bastante elevadas. Segundo Dália Romero, coordenadora do Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso (Sisap-Idoso) e do Núcleo de Informação sobre Saúde e Envelhecimento (Nise) do Laboratório de Informação e Saúde (Lis) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), “o suicídio é uma causa externa de morte que mais atinge mais aos idosos”.

Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde mostram que, dos anos 2000 para 2012, a taxa de suicídio por 100 mil habitantes nesta faixa etária foi de 16,2 – um crescimento muito superior ao período de 1980 a 2000, como pode ser visto abaixo.

Ainda sobre os dados disponibilizados pelo SIM, é possível observar o aumento das taxas de suicídio (a partir dos 10 anos de idade). Na faixa entre 70 a 79 anos, e a partir dos 80 anos na região Sul, as taxas 17,7 e 16/100 mil habitantes, respectivamente, mostram-se próximas à média mundial de 16/100 mil habitantes. Já na região Centro-Oeste, na faixa dos 80 e mais anos apresenta taxa de 22,1, ou seja, 6,1 acima da média mundial.

Face masculina

Dália Romero também chama a atenção para a face do suicídio que, segundo os dados tanto da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto do DataSUS, é em sua maioria masculina. Segundo ela, “o suicídio é um dos fenômenos sociais onde o homem tem um sobrerrisco acentuadamente maior que o das mulheres – em torno de seis vezes mais”, explica. O Nise fez uma análise dos dados para o Icict/Fiocruz, baseado nos números do SIM, onde de 2000 a 2014, ocorreram 16.135 óbitos de homens contra 3.670 de mulheres.

A presença do homem nas estatísticas de suicídio foi comprovada no estudo intitulado É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de idosos no Brasil e possibilidades de atuação do setor saúde, do Centro Latino-Americano de Estudos sobre a Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). Elaborada pelas pesquisadoras Cecília Minayo, Ana Elisa Figueiredo e Fátima Cavalcante, a pesquisa mostrou a relação de gênero nos casos de autoextermínio nas cinco regiões do país. Na entrevista concedida, em 2012, ao programa Ligado em Saúde, do Canal Saúde da Fiocruz, Ana Elisa fala da pesquisa:

Longevidade x suicídio

Apesar do aumento da expectativa de vida do brasileiro, que subiu para 75,2 anos em 2014, segundo dados da Tábua Completa de Mortalidade 2014, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de casos de autoextermínio de idosos segue aumentando. Afinal, se a qualidade de vida está melhorando, por que o número de suicídio entre idosos segue crescendo?

Para Ana Elisa Figueiredo, isto é um “paradoxo”:

Dália Romero é mais contundente: “as pessoas idosas representam 11% de toda a população do Brasil, enquanto que 16% de todos os suicídios no país são cometidos nessa faixa etária – é uma estatística alarmante! Os idosos são o segmento de mais rápido crescimento da população, o que torna a questão do suicídio uma grande prioridade de saúde pública”, afirma.

Outro ponto de discussão levantado pela pesquisadora do Icict é a qualidade dos dados coletados. Segundo Dália Romero, desde a década de 2000 houve importantes ações governamentais para melhorar a qualidade das declarações de causas de morte, “diminuindo o número de mortes por causas desconhecidas e, em consequência, aumentando o número de mortes por algumas causas definidas, como o suicídio”, explica. No entanto, a pesquisadora ressalta que “o ligeiro aumento do número de casos de autoextermínio (entre 2000 e 2014)”, não necessariamente significa crescimento do risco de mortalidade por suicídio: “pode ser produto do crescimento do número absoluto de pessoas idosas”, alerta. Ela deixa algumas perguntas no ar: “por que, se as novas gerações de idosos provêem de coortes de vida diferentes, a taxa não diminui? Se as pessoas têm hoje maior expectativa de vida, maior acesso aos serviços de saúde, existem políticas de prevenção ao autoextermínio, por que não se consegue reduzir o risco de suicídio?”

Suas inquietações não param aí. Ela reclama da subnotificação dos dados, que podem mudar o índice de casos de suicídio, atrapalhando a produção de estudos que utilizem informações dos grandes bancos de dados públicos. “O elevado número de óbitos por lesões cuja intenção é inespecífica é um ponto que deve ser mais explorado, especialmente quando observada a grande diferença nas taxas de suicídio entre homens e mulheres idosos”, aponta Dália Romero. Segundo ela, em 2014, “enquanto a taxa de mortalidade por suicídio na população masculina era de, aproximadamente 13 a cada 100 mil habitantes, entre as mulheres, era de, aproximadamente, duas para cada 100 mil habitantes. Entretanto, verificamos que há uma maior proporção de mulheres que falecem e não têm a intencionalidade definida da agressão, ou seja, são os casos que não podemos afirmar se foram suicídio ou homicídio”, completa.

Melhor prevenção

Apesar de não haver um programa ou uma política específica para promover ações de prevenção para idosos no Brasil, o Governo Federal tem feito a sua parte, não só com campanhas visando o bem estar da população idosa, mas com estudos que levem a novas estratégias de promoção da qualidade de vida dos idosos. Segundo Miriam Di Giovanni, da Coordenação de Saúde da Pessoa Idosa (Cosapi) do Ministério da Saúde, o órgão vem desenvolvendo diversas ações de prevenção, vigilância, promoção de saúde e de cuidados relacionadas aos suicídios, com a participação de diferentes secretarias, departamentos e coordenações, as questões relacionadas ao suicídio de pessoas idosas são tratadas dentro das ações desenvolvidas. “Estamos participando de um grupo de trabalho instituído no Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (Dapes/SAS/MS) sobre suicídio com foco em populações estratégicas e vulneráveis, com o objetivo de aprofundar o estudo dos dados e evidências, melhorar a compreensão do cenário e definição de metas de trabalho do Departamento, tendo entre elas o suicídio de pessoas idosas”, explica. Para este trabalho, mas ainda em fase preliminar, a Cosapi vem fazendo um levantamento e a análise de dados com recorte 60 anos e mais para subsidiar o desenvolvimento de ações especificas.

De qualquer forma, a prevenção passa pela melhoria da qualidade de vida do idoso, com o estímulo a um envelhecimento ativo e saudável, que é como pensa Cecília Minayo:

Esta é a quarta matéria da série Não há lirismo no suicídio. A próxima abordará o sofrimento de pessoas próximas às vítimas de suicídio.

Créditos:
Infográficos e produção fotográfica: Vera Lúcia Fernandes de Pinho (Ascom/Icict/Fiocruz)
Edição de vídeo e fotografias: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Apoio: Raíza Tourinho (Ascom/Icict/Fiocruz) e João Paulo Cofir (Secretaria/Biblioteca de Manguinhos/Fiocruz)
Colaboração: Rosany Bochner (Sinitox/Fiocruz) e Núcleo de Informação sobre Saúde e Envelhecimento (Nise/Lis/Icict/Fiocruz)
Foto & arte Castelo Mourisco: Peter Ilicciev (CCS/Fiocruz)

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