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21/11/2019

Bióloga descreve preparação e expectativas dos pesquisadores para primeira viagem à Antártica

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


O Programa Antártico Brasileiro, o Proantar, foi criado em 1982 para o desenvolvimento de pesquisas no continente mais inóspito do planeta. Os estudos científicos no local mostram a biosfera rica e variedade, tanto em termos de organismos aquáticos e variedades de aves migratórias, como em microrganismos com características especiais. Pela primeira vez, a Fiocruz vai desenvolver pesquisas voltadas para a área de saúde na Antártica. Para isso, foi necessário todo um processo de preparação do grupo de pesquisadores que irá participar do projeto Fioantar, que passaram por um Treinamento Pré-Antártico e debateram, por exemplo, logística de pontos de coleta em um local repleto de desafios. 

Em entrevista, a bióloga Luciana Trilles, do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e coordenadora substituta Fioantar, conta como foi essa preparação e quais são suas expectativas para essa primeira viagem de pesquisadores da Fundação.  

Luciana Trilles foi uma das primeiras pesquisadoras da Fiocruz a chegar na Antártica para auxiliar nos preparativos para as pesquisas (foto: Divulgação)

 

AFN: Como foi o processo de preparação do grupo?

Luciana Trilles: Bom, começando pelo planejamento do projeto, por ser um projeto multidisciplinar, vários laboratórios estão envolvidos. No início, nos reuníamos toda semana, pelo menos um de cada área, e ia juntando as metodologias, dizendo o que cada um queria do projeto, o que iria fazer com esse projeto. Com isso, fomos juntando as necessidades de cada um para definir o material de coleta. Definimos solo, que é muito interessante para bacteriologia e para micologia; água, que é muito interessante para virologia; e fezes, que também é interessante para virologia e micologia. E assim fomos definindo quantidades e cada um ficou com uma parte e eu fui responsável por definir os pontos de coleta.

AFN: E como foi essa definição da logística dos pontos de coleta?

Luciana Trilles: Não foi uma coisa muito fácil, porque eu nunca estive lá, eu não conheço a região, e precisávamos de pontos de coleta onde tivesse água marinha, água lacustre, solo e fezes de animais. Então, eu precisei estudar um pouco onde tinha colônias de animais, mas também tinha lago e praia por perto. Com isso, usando Google Earth, conseguimos definir alguns pontos, com longitude e latitude. Mas não foi muito fácil, você saber onde vai sem nunca ter ido. Isso foi um dos desafios.

Precisávamos que definir certos pontos e a não fazia ideia de quantos, nem o mínimo nem o máximo, porque não conhecemos a logística da Marinha. Então, no início determinamos 16 pontos de coleta e quando mandamos para eles disseram que era muito e cortaram. No final, ficaram 8 pontos para cada fase. Foi o tempo todo um aprendizado.

AFN: E como foi Treinamento Pré-Antártico?

Luciana Trilles: Fizemos um treinamento da Marinha, na Marambaia, em que eles tentam dar uma ideia do que vai acontecer lá. Mas eu tenho certeza que vai acontecer muita coisa diferente do que aconteceu nesse treinamento. Mas é bom termos uma ideia do dormitório, que é uma coisa não confortável, para já ter esse preparo mental.

AFN: Quais são suas expectativas para essa primeira viagem?

Luciana Trilles: Tenho algumas expectativas, alguns receios. Eu acho que meu primeiro receio é caso seja necessário atravessar o Drake* de navio, pois eu já enjoo na barca Rio-Niterói. Espero conseguir ir de avião todas as vezes para não passar por isso.

Além disso, temos planejadas as metodologias de coleta. Desenvolvemos algumas adaptações de nossas metodologias para a Antártica, porque vários de nós já têm alguma experiência com trabalho de campo. Então, usamos essa experiência para tentar adaptar esses métodos para o clima extremo, em um trabalho que levamos quase um ano. Fizemos um simples teste em uma praia aqui no Rio de Janeiro e, claro, já fizemos pequenos ajustes no protocolo. Mas como nunca fomos, essa primeira vez é para testar e validar essas metodologias. 

(*passagem de Drake: conhecida como o “mar mais perigoso do mundo”, a Passagem de Drake divide a América do Sul e a Península Antártica e fica próximo do encontro entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Com ondas que podem chegar a 10 metros de altura, a passagem precisa ser monitorada para que os navios da Marinha possam atravessar com segurança. Esse monitoramento é feito através de uma previsão meteorológica que permite ver as janelas entre uma frente fria e outra. Ainda assim, é preciso cuidado para não marear a bordo durante as cerca de 36 horas de travessia) 

AFN: Além disso, quais outros desafios você acha que vai encontrar como pesquisadora?

Luciana Trilles: Acho que tudo é um desafio, porque tudo é muito novo. Como nunca estive lá, a gente teve que estudar as coisas para ter alguma ideia. Ainda assim, é tudo novidade, a temperatura totalmente diferente do que a gente está acostumado aqui e a logística que a Marinha faz que a gente não consegui entender completamente ainda, apesar de termos tido muitas palestras, tem algumas coisas que acho que só vamos entender quando chegar lá. Isso gera uma certa ansiedade, pelo menos em mim. E é tudo novidade, acho que nós vamos estar totalmente fora da nossa zona de conforto, tanto por causa do clima, do local, longe de casa, longe da família, tendo que compartilhar o quarto com várias pessoas estranhas. Acho que vai ser tudo muito desafiador.

Outra coisa é a questão mesmo da logística que a gente não conhece ainda, não sabe como vai ser, se fica no navio, se sai do navio, entra no bote, vai para a terra, faz a coleta, volta pro bote, vai pro navio. Tudo é uma expectativa. A gente sabe mais ou menos como vai acontecer, mas sabe que tudo pode mudar. Então, essa expectativa do incerto dá um pouco de receio também. Mas ao mesmo tempo é desafiador, é interessante, está todo mundo bem animado para ir.

AFN: E o que te move a sair do conforto da sua casa para ir até a Antártica?

Luciana Trilles: O primeiro é o amor pela pesquisa científica. E é claro que também um pouquinho de espírito de aventura. A gente precisa de ter esse espírito de aventura para aceitar ir para um lugar tão diferente da nossa zona de conforto, tão inóspito.

22/11/2019

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