19/11/2019
Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)
A Antártica é o único continente não povoado do planeta. O Tratado Antártico, do qual o Brasil é um dos signatários, garante a utilização pacífica com fins de pesquisa científica para o continente. O país é um dos poucos a ter presença permanente no continente, com uma base estabelecida desde a década de 1980. Isso porque a proximidade geográfica entre a Antártica e a América do Sul faz com que o ambiente e o clima polares sejam extremamente relevantes para o nosso continente.
Pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Win Degrave é coordenador do projeto Fioantar junto ao CNPq e deve contribuir com pesquisas no local na área de genômica. Confira entrevista com Degrave sobre a participação da Fiocruz na pesquisa antártica.
Em agosto, Win Degrave esteve com outros pesquisadores no Forte São João, na Urca (RJ), parasimular metodologia de coleta para locais inóspitos (foto: Peter Ilicciev)
AFN: Qual é sua participação no projeto?
Win Degrave: Eu sou coordenador do projeto junto ao CNPq, auxilio na organização do laboratório experimental antártico na estação e tenho um interesse específico em análise genômica comparativa em microrganismos e suas possíveis aplicações biotecnológicas. Isto quer dizer que eu tenho um interesse mais específico em bactérias e líquens, porque são sistemas ecológicos, de composição ecológica importante para diversos aspectos, tanto por seus possíveis riscos à saúde humana, mas também porque eles têm muitos usos e papeis dentro de um sistema ecológico para fazer biorremediação, por exemplo, na eliminação de poluentes e transformação de matéria orgânica em nutrientes, por mais que isso seja escasso na Antártica. Então, são sistemas ecológicos bem interessantes.
AFN: Como coordenador do projeto, como você vê a importância da participação da Fiocruz na pesquisa antártica e seus impactos na saúde pública?
Win Degrave: O programa ProAntar envolve grupos de pesquisa na área de meteorologia, oceanografia, mudanças climáticas, qualidade do ar, entre outras. Eu acho que faltava um olhar mais ligado à saúde pública e às possíveis interações ou ameaças à saúde pública. A Fiocruz obviamente tem uma tradição de pesquisas nessa área e é muito importante juntarmos esforços aos demais grupos para identificarmos quais patógenos estão ali presentes, aqueles inerentes à Antártica e que possam eventualmente vir para o continente sul-americano e ameaçar o Brasil e a saúde da população. Assim, poderemos contribuir com a vigilância epidemiológica e tipagem de potenciais patógenos. Outra linha de pesquisa é olhar para a possibilidade de extrair e de conhecer moléculas ou enzimas que poderiam ter um papel importante em biotecnologia para a área de saúde.
AFN: Quais são as principais frentes de pesquisa que vocês estão levando nessa missão?
Win Degrave: O nosso grupo é composto de mais ou menos 10 laboratórios no momento, das áreas de virologia, bacteriologia, micologia, helmintos, parasitologia e as coleções científicas da própria Fiocruz. A gente tem uma atenção bastante variada. Nosso grupo é bastante heterogêneo, em termos de especialidade e também porque envolve as pessoas da área de comunicação para a divulgação científica e pessoas da área de cooperação internacional. Então isso é realmente quase um pacote integrado de atenção da Fiocruz para a Antártica. Acho que isso complementa bastante bem a atuação dos outros grupos que estão dentro do programa ProAntar, que tem financiamento do CNPq, e, obviamente, a colaboração com a Marinha, que tem seus próprios interesses de pesquisa, oceanografia, por exemplo, mudanças climáticas e interação climática entre a Antártica e o Brasil.
AFN: Como vai ser o Laboratório da Fiocruz na Estação?
Win Degrave: O desenho da estação é de uma estação de pesquisa para diferentes áreas. Provavelmente, a maioria dos laboratórios tem uma orientação mais para pesquisas biológicas, então precisamos de um nível importante de biossegurança. A Fiocruz vai contribuir para um laboratório de biossegurança, que obviamente vai interagir com todos as outras infraestruturas dentro da estação. Nós vamos poder contribuir tanto com a expertise quanto com a infraestrutura para outros grupos de pesquisa. A gente vê que a estação tem laboratórios para biologia molecular, microbiologia, crescimento de algas, por exemplo. Enfim, vai ser um ambiente bastante interessante.
AFN: Como será feito o processo de montagem do laboratório da Fundação?
Win Degrave: É óbvio que a montagem do laboratório lá não é tão simples. Primeiro, porque todo equipamento precisa ser levado para lá pelos navios da Marinha, com o suporte de logística da Aeronáutica. Mas a instalação lá a gente não pode esquecer nada porque não dá para ir na equina comprar um parafuso ou um conector que esquecemos. Inicialmente, o nosso laboratório da Fiocruz, além da infraestrutura de biossegurança, é mais orientado para isolamento de microrganismos, do material que a gente vai coletar e a gente fazer as primeiras caracterizações e depois, pelo menos nesse primeiro ano, todo material vai voltar para o Brasil e para o navio. Então, a partir de abril a gente vai poder começar a análise nos laboratórios da Fiocruz aqui no campus, em Manguinhos.
AFN: Como grupo de pesquisa, quais são os desafios você prevê neste primeiro ano?
Win Degrave: A maioria dos grupos de pesquisa que lidam com biodiversidade ou com patógenos e com vigilância epidemiológica já tem experiência com o trabalho de campo em vários biomas, como na Mata Atlântica, na Amazônia, no Cerrado. Então, a parte de coleta, processamento, análise e caracterização não é algo estranho para nós, mas obviamente fazer isso em um ambiente extremo como a Antártica é um desafio porque a gente não tem tanta experiência com o tipo de material e como a gente vai processar esse material, de rochas, neve, gelo, etc. A gente ainda tem que aprender muito, então esse primeiro ano vai ser mais de experimentação, conhecer o ambiente, testar todos os nossos protocolos, integrar os diferentes grupos, porque obviamente precisa ser uma ação harmoniosa da equipe da Fiocruz, com seus diferentes componentes, inclusive a parte de divulgação científica. A gente já se conheceu um pouco durante a semana de treinamento da Marinha e agora temos um desafio interessante pela frente.
AFN: Qual a importância para o Brasil de fazer pesquisas na Antártica?
Win Degrave: O Brasil é signatário do Tratado Antártico e também membro consultivo de seu conselho. Com isso, tem uma demanda obrigatória, dentro desse papel internacional e estratégico, de desenvolver pesquisas na Antártica. Isso é muito importante para as diferentes áreas, não só a área biológica, mas climatológica, atmosférica, não só pesquisas do próprio continente, mas também os mares no entorno. Para a Marinha e para a Aeronáutica, por exemplo, é muito importante ter experiências nesses ambientes extremos e desenvolver operações de logística, suporte, apoio à pesquisa. Então é um conjunto bastante importante.
A gente pensa que a Antártica é muito longe, muito distante, diferente e isolado. Mas não é tão isolado assim, porque realmente tem bastante animais migratórios que interagem com o continente americano, trazendo e levando microrganismos. A gente já sabe isso por outras pesquisas, inclusive de outros países, que já existe uma presença importante de microplásticos tanto no gelo, no continente em si, quanto na água e no ar. Estes microplásticos também trazem ou associam microrganismos. Então, existe toda uma dinâmica bastante importante. Sem falar obviamente do impacto climatológico e o que pode ser a previsão de mudanças climáticas relacionadas ao aquecimento global sobre o continente e essa interação sobre o clima no Brasil.
AFN: E pessoalmente, o que te move a ir a Antártica?
Win Degrave: Eu acho que quem pesquisa microrganismos gosta de ver onde eles vivem e em que ecossistema eles se movimentam. Eu acho muito importante ter essa ligação do pesquisador de laboratório com o meio ambiente ou com os pacientes, com o objeto de pesquisa. Então, para isso, eu acho realmente uma oportunidade importante fazer trabalho de campo. Para mim, pessoalmente, o clima frio não é tão estranho assim, então, isso não me assusta.
AFN: Qual a expectativa com relação ao material que pode ser futuramente trabalhado nos laboratórios da Fiocruz no Brasil?
Win Degrave: É importante ter uma noção clara de que a Antártica não é um único universo, você tem ilhas isoladas, tem ilhas com população de animais marinhos, ilhas só com pinguim, por exemplo, tem atividade vulcânica, onde você consegue pesquisar organismos adaptados ao frio, ao gelo, e às fontes termais e os extremos em biodiversidade, pelo menos microbiológica, ali presente. Então, é uma oportunidade para nós poder participar de uma pesquisa de uma coleta assim. Acho que também é importante a gente conseguir levar essa vivência para os alunos que participam do projeto, inicialmente para a parte analítica depois no laboratório, mas futuramente também para os que vão participar das missões.
22/11/2019
Antártica
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