05/04/2007
O pai espanhol e a mãe italiana,imigrantes em São Paulo, esforçaramse para educar Rey e as duas irmãs. Quando o rapaz entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ganhou do pai um microscópio. Ao concluir o curso, em 1944, foi presenteado com um consultório, que ele usou bem menos do que o microscópio. Afinal, clinicar na capital paulista era pouco para um jovem que queria transformar o mundo.
No consultório, diante dos pacientes – idosos, em sua maioria, e com doença avançada –, o cardiologista se sentia impotente. “Eu prolongava a agonia deles. Não morreriam esta semana, mas nas próximas”, conta Rey. “Eu pensava nas crianças que morrem neste país, mortes que poderiam ser evitadas”, lembra.
Com o avô e as irmãs gêmeas Carmen e Eusébia. Foto: Arquivo pessoal.Em conversa com o professor Samuel Pessoa, nasceu a idéia de trabalhar na Amazônia, no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp). Criado em conjunto com os Estados Unidos, que queriam a borracha, durante a Segunda Guerra Mundial, o Sesp já estava sob controle apenas brasileiro quando Rey aterrissou em Belém, em 1946.
O médico foi para Gurupá, vilarejo de apenas duas ruas. Morava no posto de saúde e contava com um barco, para atendimentos em outras localidades. “A Amazônia foi uma aventura. Viajar de embarcação por aqueles furos e paranás, no meio da floresta, era como ouvir música e sonhar”, recorda-se. Mas ele não tardou a descobrir que a prática da medicina ali tinha suas dificuldades.
Em Gurupá, o chiar das árvores anunciava uma queda de temperatura. Certa vez, embora a floresta estivesse silenciosa, Rey sentiu frio: tinha febre. Confirmado o diagnóstico de malária, tratou-se e nunca mais contraiu a doença. Mas seus pacientes não tinham a mesma sorte. “Eu tratava os doentes e as condições de vida deles continuavam as mesmas. Então, contraíam as doenças repetidas vezes”, lamenta.
Emocionado, Rey conta a história de um menino que chegou ao posto de saúde eliminando vermes pela boca, nariz e ânus, mas foi curado. Algum tempo depois, a criança voltou em estado grave. Como Rey não estava – tinha saído para atendimentos em outros vilarejos –, o menino morreu. “A sensação era de inutilidade. Eu fazia caridade, não medicina. Era necessário modificar as condições epidemiológicas”, avalia.
Rey decidiu retornar à USP e estudar saúde pública. O Sesp lhe deu a passagem área Belém-São Paulo, mas o médico desceu em Fortaleza e fez o resto do trajeto de ônibus, trem, barco e até na boléia de caminhão. “Sair do asfalto e ir viver dentro da floresta teve um impacto imenso sobre mim. Eu precisava conhecer o meu país”, justifica.Nessa aventura, atravessou o sertão de Canudos a Salvador e subiu o rio São Francisco de Petrolina a Pirapora.
Já de volta à USP, constatou que os professores sugeriam soluções que não serviam a nenhum dos lugares por onde ele andara. Candidatou-se, então, a uma bolsa do governo francês. Em Paris, provavelmente, os professores também desconheceriam a realidade brasileira. No entanto, havia a esperança de aprender sobre a organização de serviços de saúde, além do desejo de conhecer a Europa.
Luís Rey
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