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01/04/2004

Lobato Paraense

'Ecce homo'

Ricardo Valverde


Foto: Peter Ilicciev.
 

Dezoito anos depois de ter se instalado em Belo Horizonte, Lobato novamente mudou de residência. Convidado a dirigir o Instituto Central de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), ele a princípio não aceitou, mas a insistência do presidente do CNPq, Antonio Couceiro - que um dia entrou em seu laboratório, apontou-lhe o dedo e brandiu a expressão latina Ecce homo ("Eis o homem") -, terminou por convencê-lo e a levá-lo, na metade de 1968, a transferir-se para a nova capital da República. Os ares da política estavam cada vez mais pesados e a tendência era a situação se agravar: no fim daquele mesmo ano seria baixado o Ato Institucional número 5 (AI-5), que cercearia ainda mais as já parcas liberdades civis no Brasil de então, que há quatro anos vivia sob uma ditadura militar. Lobato não era político e se mantinha eqüidistante dos ferozes embates ideológicos que rachavam o país. Eleitor de Jânio Quadros, era indiferente a João Goulart e não deu importância à queda do presidente naquele 31 de março de 1964, quando era diretor do Ineru. Avesso a manifestações, Lobato jamais participou de qualquer protesto contra os militares e chegava a sair de sua sala nos momentos em que os estudantes faziam reuniões em que discutiam as melhores formas de resistir ou combater os governantes - mas também nunca impediu essas assembléias ou puniu os alunos que delas participavam. Ele prosseguia em sua rotina de dar aulas e dedicar-se à ciência e aos estudos sobre moluscos transmissores da esquistossomose. Para o ex-presidente da Fiocruz Carlos Morel, Lobato "não era de esquerda e nem de direita, mas uma pessoa digna".

Elevado a pesquisador titular do IOC em 1971, Lobato passou no total oito anos em Brasília, onde também chefiou o departamento de Biologia Animal do Instituto de Ciências Biológicas da UnB. O regresso ao Rio só ocorreria em 1977, já aposentado, ao ser convidado a integrar o Departamentoo de Malacologia, do qual foi chefe de 1980 a 1991. Na ocasião ele era vice-presidente de Pesquisas da Fiocruz, função que ocupou de 1976 a 1978. Ao se mudar para o Rio, veio com a segunda esposa, Lygia, também malacologista e atual chefe do departamento. Lobato estava bem em Brasília e não queria voltar ao IOC, mas novamente mudou de cidade devido à insistência - desta vez do ministro da Saúde, Paulo Machado, que tentava seduzi-lo a aceitar o convite usando frases como "vamos levantar aquele cadáver insepulto da Avenida Brasil", numa referência à perda de prestígio da Fiocruz na década de 70. Mas Lobato respondia sempre da mesma maneira, afirmando não gostar do Rio e do calor que faz da cidade um caldeirão no verão. Sem saber mais o que dizer para ter o malacologista em Manguinhos, o presidente da Fiocruz, Vinicius Fonseca, usou seu derradeiro argumento: "Então você mora no campus". Ele mostrou a Lobato as obras na Vila Residencial da Fundação e o pesquisador finalmente cedeu, dizendo que valia a pena residir ali porque poderia permanecer no trabalho até a hora em que bem entendesse. Lobato ganhou o melhor apartamento da Vila, com um quarto grande para dormir, uma sala de estar ampla, cozinha, escritório e banheiro. E ficou perto dos seus caramujos, que continua a estudar mesmo aposentado.

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