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01/04/2004

Lobato Paraense

Um amor que nasceu no laboratório

Ricardo Valverde


Lobato e a esposa Lygia. Foto: Peter Ilicciev.
 

Ao trocarem Belo Horizonte pelo Rio, Lygia e Lobato ganharam a tranqüilidade de quem mora em uma área verde e ajardinada como é o campus da Fiocruz - um oásis cercado por uma das regiões mais violentas e poluídas do Rio. Sem filhos, os dois estão juntos durante todo o dia, em casa ou no trabalho, fazendo companhia um ao outro. Mas essa foi uma união que demorou muito tempo para se concretizar. Quando conheceu Lygia, Lobato era um homem casado e 20 anos mais velho. Depois daquele primeiro encontro depois de uma conferência sobre a fome, quando ele reparou na menina que chorava, voltaram a se encontrar no Ineru, onde ela, ainda estudante, foi auxiliar o pesquisador Giorgio Schreiber a preparar material para aulas e a fazer cortes histológicos. Em um dia de 1953, ao se deparar com um problema de difícil solução, Schreiber pediu a Lygia que procurasse Lobato em busca de uma resposta. Ela conseguiu o que queria, resolveu o problema e assim os dois formalmente se apresentaram.

O acaso, essa grande força constante na vida de Lobato, não tardou a aparecer para aproximá-lo de Lygia. Ao ser transferida do laboratório de Schreiber para o de Lobato, ela passou a prestar mais atenção naquele pesquisador "ensimesmado, fechado, que só pensava em trabalho", mas que era igualmente "muito educado com todos". Com o passar das semanas e cultivando uma mútua admiração que surgia, os dois passaram a dedicar mais tempo a trocar alguns dedos de prosa e até arriscavam fazer um lanche juntos, mas não sozinhos, porque saíam acompanhados de outros colegas do Ineru. Para complicar as coisas, Lobato era casado. Nos anos 50 era incomum que homens e mulheres - sobretudo no caso de um homem casado e uma mulher solteira - conversassem com liberdade. Assim, ainda transcorreriam quatro anos para que os dois pudessem sair a sós. Lobato tinha uma filha com Alayde e se sentia moralmente obrigado a continuar ao lado da esposa. O amor que brotou teve que aguardar dez anos para ser publicamente assumido - o que só ocorreu quando Lobato se mudou para Brasília e Lygia foi junto.

Aquela foi uma década dura para Lygia, que se sentia péssima em viver o papel de namorada de um homem casado. Ao ficar amiga da filha dele, Silvia, Lygia passou a freqüentar a casa dos Paraense e conheceu Alayde - que no final da vida ficou sabendo do romance mas não interferiu. Mas não passou disso e o namoro prosseguiu, obedecendo às regras não-escritas da moral da época, com Lobato e Lygia vivendo cada um com sua família. Ele só deixou em definitivo a sua casa depois que Alayde morreu. E até o falecimento prestou toda a assistência possível.

Cinqüenta anos depois de terem se conhecido, Lobato e Lygia vivem em sintonia e exibem aquela confiança dos casais que fizeram a escolha certa ao optar um pelo outro. É ela quem prepara a tigela de açaí com farinha que ele consome toda noite, acompanhado de pirarucu, carne ou camarão, e aos goles de água de coco ou suco de abacaxi. Com ótima digestão, Lobato só toma bebida alcoólica no almoço - sempre um cálice de vinho tinto - e após a refeição se deita para tirar um cochilo antes de voltar ao laboratório. Uma completa negação no terreno da culinária, ele também depende de Lygia para comprar suas roupas. Quando nota que o marido está precisando de um banho de loja, ela chama uma amiga e as duas vão às compras em busca de roupas e sapatos para o malacologista.

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