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01/04/2004

Lobato Paraense

Próxima parada, São Paulo

Ricardo Valverde


Jornalista paraibano, dono de uma cadeia de jornais denominada Diários Associados, futuro introdutor da televisão no Brasil, idealizador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Chateaubriand formou-se advogado pela Faculdade de Direito do Recife. Aprovado no concurso para professor catedrático da instituição, ele desistiu do cargo para dedicar-se à imprensa mas manteve vínculos com o meio acadêmico pernambucano. Foi de Chateaubriand a idéia de conceder bolsas de estudos para jovens médicos nas áreas de anatomia, anatomia patológica e parasitologia, visando aprimorar o ensino universitário no estado. O anúncio das bolsas levou a congregação da qual fazia parte Aggeu Magalhães a indicar Lobato para uma bolsa em anatomia patológica. O Brasil não contava ainda com cursos de pós-graduação e aquela era uma oportunidade única de se especializar em um centro mais desenvolvido. Escolhido pela congregação, Lobato arrumou as malas e foi estudar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A USP, fundada em 1934, tinha apenas três anos. Ao deixar Pernambuco, o médico imaginou que ficaria um ano no estado pelo qual chegou a brigar na rua, em 1932, ao defender a Revolução Constitucionalista. Ficou mais que isso e de lá não voltou ao Recife.

Lobato (terceiro da esquerda para a direita) em 1939, no Hospital Oswaldo Cruz.
 

Na Paulicéia, Lobato enfrentou problemas com professor Paulo de Queiroz Teles Tibiriçá, seu orientador na pós-graduação, que não lhe dispensava muita atenção. Um sentimento que pode ser explicado pela mágoa do médico, um paulista separatista e que segundo Lobato seria antinordestino. Assim, o jovem resolveu por conta própria levar à frente os seus estudos e se debruçar sobre o sistema nervoso central. Ele fazia necropsia, tirava o cérebro, a medula e levava para uma salinha, onde ficava estudando. Em uma dessas ocasiões, Lobato encontrou um caso de esquistossomose, doença até então pouco conhecida em São Paulo, e começou a pesquisar a enfermidade, que era recorrente na região de onde viera. Curiosos, outros alunos e professores - incluindo o conceituado parasitologista Samuel Pessoa - procuraram Lobato para saber mais sobre a moléstia. Para a maioria deles, era a primeira vez que viam um caso de esquistossomose. O rapaz passou o restante de 1938 estudando a doença e, quando se preparava para retornar ao Nordeste, soube que Chateaubriand acenava com a prorrogação, por mais um ano, da bolsa, que ele prontamente aceitou. Embora logo depois tenha dado adeus a São Paulo.

A vontade de Lobato era se transferir para o Rio, onde poderia trabalhar com Magarinos Torres, que era o chefe do setor de patologia no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em Manguinhos. Então ele pediu a Bezerra Coutinho, o homem que o pusera em contato com Jorge Lobo, que falasse com Torres sobre a sua disposição em se mudar para o IOC. No entanto, o assunto foi resolvido por Evandro Chagas, que o chamou para uma entrevista. Evandro não contava com um patologista em sua equipe e precisava de alguém que estudasse a patologia da leishmaniose visceral - na época havia uma epidemia de raiva entre os cães do Pará. O renomado cientista deu a Lobato toda a infra-estrutura de que necessitava e ainda montou um laboratório, onde trabalhou como assistente do Serviço de Estudo das Grandes Endemias (Sege) do IOC. Evandro, que sofria com a habitual falta de recursos governamentais, conseguia dinheiro para as suas pesquisas com patronos como o riquíssimo Guilherme Guinle, da família fundadora do Copacabana Palace, que contribuía anualmente com a quantia de 250 contos de réis para os estudos em Manguinhos.

Mais um ano se passou e a bolsa de estudos chegou ao fim. Sem querer voltar para o Recife - os colegas de especialização não estavam sendo bem recebidos ao retornar - e contente com a promessa feita por Chagas de contratá-lo, ele decidiu procurar Chateaubriand para discutir seu futuro. Sabedor das dificuldades que os demais ex-bolsistas enfrentavam no Recife, o fundador dos Diários Associados dispensou-o de regressar mas, preocupado com a carreira do médico, Chateaubriand disse que poderia lhe conseguir uma indicação para o posto de patologista-chefe no serviço de verificação de óbitos do estado da Paraíba. Lobato, no entanto, não demonstrava a menor disposição de seguir para o Nordeste - seu objetivo era permanecer no Rio. Ele ouviu então outra proposta do mecenas: o empresário falaria com o diretor do IOC, Antônio Cardoso Fontes, para tentar obter alguma colocação para o jovem. Naquele momento, Lobato contou do convite de Evandro Chagas para que continuasse em Manguinhos, informação que levou Chateaubriand a perguntar por que havia sido procurado, já que o emprego estava garantido. "Sendo assim, o senhor está liberado de seus compromissos com a Faculdade de Medicina do Recife", decretou o empresário, dando-lhe parabéns.

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