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01/04/2004

Lobato Paraense

Os planorbídeos e o reconhecimento internacional

Ricardo Valverde


A grande fase da carreira de Lobato ainda estava por começar. A partir da década de 50 ele dedicou-se à pesquisa sobre moluscos de água doce do hemisfério ocidental, entre os quais incluem-se os transmissores da esquistossomose, tendo identificado dez novas espécies. A curiosidade pela moléstia ocorreu quando Lobato foi indicado para voltar à capital mineira e trabalhar no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), criado para facilitar a extração de borracha na Amazônia e de ferro no Vale do Rio Doce para o fornecimento aos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. O objetivo era proteger os trabalhadores contra a malária (Amazônia) e a esquistossomose (Vale do Rio Doce), que grassavam nas duas regiões. Alguns especialistas diziam que os caramujos do Vale eram de uma única espécie, então todos tinham que ser combatidos; enquanto outros afirmavam que existia mais de uma, mas não definiam quais. Os pesquisadores não se entendiam, batiam cabeças e geravam aquilo que Lobato qualificava como "uma grande confusão".

Foto: Peter Ilicciev.

 

A abordagem de Lobato no estudo dos planorbídeos (alguns dos moluscos envolvidos na transmissão da esquistossomíase) era inovadora para a época ao reunir genética, evolução, zoogeografia, ecologia e comportamento. Com essas ferramentas, ele passou a estudar uma espécie de caramujo, a Biomphalaria glabrata, e uma população tida como diferente desta espécie, hoje conhecida como Biomphalaria tenagophila. Lobato provou que ambas são distintas e durante dois anos e meio fez uma série de observações sobre a infecção de molucos pelo Schistossoma mansoni. O malacologista identificou no local cinco espécies de planorbídeos, das quais três eram vetoras do S. mansoni: além das duas citadas, a Biomphalaria straminea. Os resultados levaram à extinção do laboratório do Sesp e serviram para reforçar a imagem de genialidade que o pesquisador começava a ganhar e que recebeu um forte impulso por meio do famoso geneticista russo Theodozius Dobzhansky, que foi a Belo Horizonte conhecer Lobato. Dobzhansky enviou à revista Evolution uma carta na qual sugeria a publicação de um artigo descrevendo o que chamou de "fascinantes experimentos do doutor Lobato Paraense com caramujos planorbídeos". O artigo saiu em 1956.

Elogiado por todos os pares, Lobato foi convidado a permanecer em Belo Horizonte e coordenar o setor de malacologia da seção mineira do Instituto Nacional de Endemias Rurais (Ineru), atual Centro de Pesquisas René Rachou, vinculado à Fiocruz. Na mesma época, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) instituiu o seu laboratório como Centro de Identificação de Caramujos para as Américas e então o pesquisador - já com diversos trabalhos publicados - viajou pelo continente coletando moluscos. Ele percorreu do sul dos Estados Unidos à ponta meridional da América do Sul, e também o Caribe. Só não fez coletas no Canadá e em Honduras.

Em suas andanças, que fazia sozinho, Lobato levava como apetrechos uma concha para pôr na água e coletar caramujos, fixador, formol e frascos onde eram guardados os animais. Mas eram viagens exclusivamente profissionais, com pouco (ou nenhum) tempo para o lazer. Adulto, Lobato continuava tão pacato quanto o garoto que morava em Belém e sonhava em perscrutrar os corpos celestes com potentes telescópios. Rodando as Américas, quase não fez turismo, mal aproveitou as atrações dos diversos países e raras vezes foi à praia. Só lhe interessavam os caramujos. Antes de viajar, procurava saber tudo a respeito do local que visitaria recorrendo a livros. Quando resolveu ir ao Chile, pegou a Enciclopédia Britânica e ficou surpreso com o Atacama, descrito na obra como "o deserto mais deserto do mundo" e que fazia parte do seu roteiro. Assustado, pensou: "Onde é que vou me meter?" Mas tudo correu bem, para Lobato, no árido lugar que ficou espantosos 1.500 anos sem chuva.

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