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01/04/2004

Lobato Paraense

Lembranças do Pará

Ricardo Valverde


Foto: Peter Ilicciev.
 

Presença certa no laboratório das 9h - quando não às 8h - às 17h, Lobato tem uma vida social bastante reduzida. Contam-se nos dedos de uma única mão as vezes em que ele e Lygia atravessam os portões da Fiocruz a cada mês. Aos sábados, com Lobato dirigindo o seu próprio automóvel, o casal costuma ir a um supermercado no Leblon. Entre os produtos apreciados estão queijo, vinho, camarão seco do Maranhão, farinha do Pará, açaí, cupuaçu e outros alimentos típicos de seu estado. Mas os dois nem chegam a passear pela Zona Sul: compras feitas, retornam para casa - no máximo, param em um restaurante de comida nordestina em Bonsucesso que é o preferido do malacologista. Lobato e Lygia eventualmente visitam a irmã dele, em Copacabana, e as amigas dela, no Centro do Rio. Nessas ocasiões, deslocam-se de táxi, porque o cientista não vai a lugares onde não tenha como guardar o carro. Um veículo roubado, outro danificado e o medo da crescente violência no Rio o levaram a agir assim.

Por levar uma vida reclusa, Lobato passa grande parte do seu tempo - quando não está no Departamento de Malacologia - em casa, lendo. Ou vendo TV - mas somente os telejornais, porque o cientista não costuma assistir às novelas ou aos filmes que passam na telinha. Um tanto avesso a obras de ficção, o cientista está há décadas sem entrar num cinema. As últimas visitas a uma sala de projeção ocorreram ainda na infância, quando acompanhava a mãe, que gostava dos antigos seriados de aventura e faroeste cujos capítulos eram apresentados semanalmente. Lobato afirma que gosta de "coisas reais" e mesmo os livros de ficção que leu foram raros, com exceção daqueles do gênero romance histórico. Ele só faz concessão ao escritor português Eça de Queiroz, do qual leu a obra completa, e ao dramaturgo inglês William Shakespeare. Outra paixão é uma coleção americana, com mais de 50 volumes, que trata dos grandes cientistas de todos os tempos. Biografias de pesquisadores ilustres também compõem o cardápio de leituras.

O pesquisador tem uma única filha, Silvia Carneiro Lobato Paraense, que é professora de literatura portuguesa na Universidade Federal de Santa Maria (RS) e dois netos (o engenheiro eletricista Arnaldo e a arquiteta Daniela). Silvia é filha da primeira mulher de Lobato, Alayde Carneiro, falecida em 1972. Foi ao lado da filha, dos netos e da cachorrinha Abigail Cristina que Lobato e Lygia passaram o último réveillon, no Rio Grande do Sul. A ocasião deixou o malacologista emocionado, porque na passagem de ano ele sonhou com os pais adotivos.

A ligação forte com os pais adotivos se deu até mesmo na questão religiosa. Lobato foi batizado pelo casal que o adotou, quando já tinha 5 anos, e não pelos próprios pais. Uma situação curiosa, já que a mãe biológica era católica, enquanto que a adotiva professava o espiritismo. A fé, no entanto, seria abandonada logo depois. Lobato não fez primeira comunhão e nem mesmo - algo raro para a época - se casou na Igreja. Ele não crê em Deus mas também não aceita teorias como a do Big Bang. O pesquisador se mantém cético quanto às explicações existentes, que não o satisfazem. Mas a questão não lhe tira o sono. Ele não é contra as religiões e considera que elas fazem bem a muitos, mas vive à margem delas. Sem sentir falta.

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