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01/04/2004

Lobato Paraense

Em Cuba, às vésperas da revolução comunista

Ricardo Valverde


A ausência de dificuldades foi a tônica das viagens, tanto que Lobato não enfrentou nenhum problema nos países que visitou - nem assaltos ou furtos o incomodaram. Houve apenas um pequeno contratempo, em Cuba. Era 1959 e ele chegou à ilha caribenha de madrugada, quando Fidel Castro acabara de descer, com seus guerrilheiros, a mítica Sierra Maestra. Era o início do fim da ditadura de Fulgêncio Batista. O malacologista não entendeu o que se passava e só no dia seguinte, ao sair do hotel pela manhã, é que percebeu as ruas tomadas por policiais e começou a se inteirar da situação. Lobato conheceu a pessoa que tinha ido encontrar, um professor da Universidade de Havana especialista em moluscos. Como o mestre estava adoentado, designou um bancário que era malacologista amador e discípulo para acompanhar Lobato. Um mês depois, em meio à revolução que mudaria para sempre a história da América Latina, Lobato foi procurar o professor na universidade e a polícia não o deixou entrar. Os homens de Fidel se aproximavam da capital e o regime autoritário visava isolar as instituições acadêmicas. Sem saber o endereço do professor, ele foi em busca de Miguel Jaume, o discípulo.

Foto: Peter Ilicciev.

 

Ao chegar à casa de Jaume, Lobato soube que ele viajara para o Oriente. Desolado e sem saber o que fazer, Lobato buscou refúgio no hotel. No dia seguinte, em vez de tomar café onde estava hospedado, atravessou a rua para fazer o desjejum e ver o movimento. E então novamente o acaso se fez presente na vida do malacologista. Surgiu um sujeito alto, magro, que começou a conversar sobre a esposa, que estava enferma e necessitando de ajuda. O desconhecido queria dinheiro. Lobato afirmou que era brasileiro e viajava a serviço, não tendo como lhe dar algum trocado. Mas a conversa prosseguiu e enveredou para o terreno dos caracoles (caramujos, em espanhol). Em seguida falou da impossibilidade de encontrar os colegas malacologistas e citou Miguel Jaume. Para sua surpresa, o cubano conhecia o conterrâneo e disse que o encontrara pouco antes, dirigindo-se à sua residência de volta da viagem que fizera. Aliviado, Lobato foi atrás de Jaume e a partir dali teve companhia constante durante o mês que passou na ilha. O elo com Cuba seria ampliado mais tarde, ao se tornar pesquisador-visitante do Instituto de Medicina Pedro Kouri, sediado em Havana.

Extenuantes, as viagens de Lobato eram dedicadas inteiramente ao trabalho. Ele lembra que em apenas uma delas, feita a Barbados, foi à praia em uma folga de fim de semana. "A pessoa anda 500 metros e a água ainda está rasa, aquilo é uma beleza", recorda o pesquisador. De museus, ele só lembra de ter ido a um em Washington, durante uma curta estadia na cidade para participar de uma reunião da Opas. De todos os lugares que conheceu, Lobato escolhe o deserto do Atacama e o Lago Titicaca como os mais bonitos. Nesse último, ao hospedar-se na cabana de um índio devido à absoluta falta de hotéis num raio de dezenas de quilômetros, se pegou maravilhado com o espetáculo que lhe era oferecido pela natureza: uma noite inteira de relâmpagos rabiscando os céus enquanto fixava seus caramujos. "Meu quarto tinha janela voltada para o lago, e eu não me cansava de admirar aquele cenário".

Dos estados brasileiros, Lobato só não esteve em dois: o Acre e Alagoas. Ele foi do litoral ao sertão, da caatinga às florestas tropicais em busca de planorbídeos. Mas o trabalho de Lobato foi uma operação no continente americano. Ele recebeu convite - recusado - para ir à África executar idêntico trabalho e à Europa viajou para Dinamarca (onde funcionava um centro de estudos de caramujos africanos), Suíça (convidado a uma reunião da OMS) e Portugal (com o intuito de conhecer o Instituto de Medicina Tropical). Em Lisboa, viu-se transportado para a obra de seu ídolo Eça de Queiroz e, encantado por conhecer os lugares que havia imaginado na leitura do escritor português, se permitiu fazer turismo. Acompanhado por colegas do Instituto de Medicina Tropical, caminhou pelo bairro do Chiado, esteve em Cintra, visitou o local onde morreu o imperador dom Pedro I e experimentou os melhores restaurantes lusitanos. No total, desfrutou de 15 dias que, em sua opinião, "foram melhores do que se tivesse ido a Paris".

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