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10/09/2013

Doenças Negligenciadas

Tuberculose: pesquisas e melhorias no tratamento intensificam o combate à doença

Danielle Monteiro


A Fiocruz tem participação ativa no combate à tuberculose (TB) no Brasil, tendo em vista que o país é um dos mais acometidos pela doença no mundo, com registros de 72 mil novos casos da doença e 4,6 mil óbitos por ano. Para atuar de forma mais intensa na luta contra a enfermidade, a Fundação é um dos participantes da Aliança Global de Desenvolvimento de Drogas para Tuberculose – Aliança TB (Global Alliance for TB Drug Development – TB Alliance, em inglês), organização internacional sem fins lucrativos que busca curas mais eficientes, rápidas e acessíveis para a doença. O diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Carlos Morel, é presidente do Conselho de Diretores da organização. Em encontro ocorrido esse ano com representantes da TB Alliance na Fundação, ficou acordado que, com apoio do CDTS/Fiocruz e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT-IDN), a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde vai selar acordo com a organização para a elaboração de plano estratégico com vistas ao fortalecimento da capacidade nacional em ensaios clínicos de novas drogas e regimes terapêuticos contra a doença.

A tuberculose é a principal causa de óbito entre soropositivos e, assim como a Aids, atinge especialmente países em desenvolvimento, onde cresce o número de pacientes com as duas doenças. A intolerância apresentada por alguns indivíduos coinfectados, somada à interação dos medicamentos para tratamento das duas enfermidades, agravam essa realidade. Foi diante da necessidade de novas opções de tratamento dirigido a esses pacientes que o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), em parceria com a ANRS (Agência Nacional Francesa de Pesquisas sobre Aids e Hepatites Virais), o Ministério da Saúde e centros de pesquisa no Brasil e na França, deu início a experimentos com um esquema antirretroviral contendo o medicamento Raltegravir, pertencente à classe de fármacos chamada Inibidores de Integrase, em uso de rifampicina, usada no tratamento contra tuberculose. Os resultados foram promissores: o esquema com o inibidor mostrou eficácia e segurança semelhantes, além de poucos efeitos adversos, comparado ao esquema que contém Efavirenz - antirretroviral atualmente usado no tratamento da infecção pelo HIV - com uso de rifampicina. “Vamos tentar o financiamento para a fase três do estudo, prevista para começar no próximo ano, para comprovarmos se o medicamento realmente pode ser usado nessa dose que estudamos, caso o paciente não possa tomar o antirretroviral de rotina devido a efeitos colaterais ou à resistência ao medicamento”, revela a pesquisadora e ex-diretora do Ipec/Fiocruz, Valdilea Veloso. Esse estágio do estudo, conta ela, terá participação de centros de pesquisa de outros países em desenvolvimento, como Moçambique, Costa do Marfim e Vietnã.

Também em busca de melhorias no tratamento para pacientes soropositivos com HIV, o Ipec/Fiocruz coordenou estudo com a finalidade de conhecer o momento em que os coinfectados deveriam iniciar a medicação antirretroviral. Conhecida como STRIDE, a iniciativa mostrou que a terapia antirretroviral (TARV) e o tratamento para a tuberculose devem ser iniciados juntos. Como na prática a decisão de iniciar ou retardar o antirretroviral é tomada antes da confirmação da doença, o estudo englobou tanto pacientes diagnosticados com tuberculose como os com suspeita clínica. “O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que apresenta a pior situação epidemiológica em relação à incidência de casos e mortalidade pela doença e é por isso que a Fiocruz tem os estudos dessa enfermidade entre suas prioridades”, destaca Veloso.

O estudo que avaliou a efetividade, segurança e aderência ao uso do medicamento izoniazida (INH) no combate à incidência de tuberculose em pacientes com HIV é também destaque da atuação da Fiocruz, por meio do Ipec, na luta conta a doença. Os resultados apontaram uma aderência à terapia de 87,7%. Após o término de todo o tratamento, apenas um dos 138 participantes apresentou indícios da doença e, mesmo assim, somente nove meses depois do final de todo o tratamento. O experimento também revelou baixo índice (12,3%) de efeitos adversos nos pacientes em decorrência do tratamento com INH e apontou um risco 4,6 vezes maior de efeitos colaterais em indivíduos com hepatite C, em comparação com os que não sofrem da doença.

Segundo Veloso, a Fundação também está avaliando alguns esquemas de tratamento para prevenir a tuberculose em quem teve contato com o bacilo, procurando encontrar esquemas que sejam mais curtos. “Não é simples a pessoa que ainda não tem a doença ter que tomar o medicamento por no mínimo seis meses“, justifica. Segundo ela, pesquisadores do instituto também vão avaliar um tratamento empírico para pacientes com doenças que comprometam o sistema imunológico, como a Aids, mas que não tem um diagnóstico de tuberculose. “Sabemos por estudos nacionais e internacionais que uma parte dos indivíduos que têm uma determinada doença avançada termina desenvolvendo tuberculose. Vamos testar uma nova estratégia de tratamento voltada especificamente a esses pacientes”, adianta. “Também faremos um estudo para avaliar a resistência ao bacilo e outro sobre o uso de um exame que utiliza a urina para diagnosticar a tuberculose, também com pacientes coinfectados”, acrescentou.

Entre os destaques da Fundação no campo da tuberculose multirresistente está a investigação realizada no Laboratório de Referência Nacional da Tuberculose do CRPHF/Ensp/Fiocruz, que avaliou a eficiência de um método molecular de diagnóstico na identificação de cepas da doença, comparado às tecnologias atualmente usadas. Os dados indicaram que a técnica pode ser uma alternativa mais rápida, eficaz e sensível no diagnóstico precoce da enfermidade.

Em busca de mais alternativas de prevenção da tuberculose, a Fiocruz, por meio do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), conseguiu desvendar o genoma completo da variante da vacina BCG utilizada no Brasil para imunização contra a tuberculose – a BCG. A descoberta é fundamental para melhorias na vacina e para o desenvolvimento de novos imunizantes combinados. Ainda entre as ações do IOC/Fiocruz no campo da tuberculose está a participação de pesquisadores do instituto em livro premiado que aborda as perspectivas sobre a enfermidade.

Outro destaque dessa unidade da Fiocruz, nesse caso feito em parceria com o Centro de Referência Professor Hélio Fraga, pertencente à Escola Nacional de Saúde Pública (CRPHF/Ensp/Fiocruz), foi a investigação que mostrou a eficácia de duas técnicas de genotipagem em cepas de Mycobacterium tuberculosis circulantes no Rio de Janeiro, que apresentam resistência a medicamentos.

Além de atuar na prevenção, a Fiocruz desenvolve ações voltadas a melhorias no diagnóstico da enfermidade. Uma delas foi a validação de testes diagnósticos moleculares feita pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz Pernambuco) para a identificação de um elemento genético da bactéria causadora da doença. A iniciativa vai beneficiar especialmente as crianças afetadas pelo mal e indivíduos com tuberculose extrapulmonar. O método apresentou especificidade de 100% (capacidade de descartar a bactéria em indivíduos saudáveis) e 92,6% de sensibilidade (capacidade de confirmar a presença do bacilo) em menores de 15 anos de idade. Além disso, ao contrário dos testes tradicionais, que levam de seis a oito semanas para apresentar o resultado, a tecnologia diagnostica a doença em 24h.

Uma das mais recentes descobertas na luta contra a tuberculose foi o Genexpert, método de diagnóstico rápido que pode dar o resultado da doença em duas horas e ainda com uma grande vantagem: ao contrário dos outros testes, é capaz de identificar a presença ou ausência da forma resistente da doença. A tecnologia deve ser implantada no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda em 2013. A pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora do Ambulatório de Tuberculose Multirresistente do CRPHF/Ensp/Fiocruz, conta que o Brasil vai importar 155 máquinas da nova tecnologia, que serão instaladas nas cidades e municípios com detecção superior a 200 casos por ano. “Isso cobrirá aproximadamente 60% do problema em nosso país”, afirma. O grande desafio na luta contra a forma resistente da tuberculose, segundo ela, é o acesso ao diagnóstico. “É necessário que o paciente procure uma unidade de saúde caso tenha os sintomas da tuberculose resistente e que tenha acesso a um teste rápido. E, sendo detectada a doença, é necessário um sistema logístico de encaminhamento dessa pessoa para uma unidade de tratamento”, propõe. Ouça aqui entrevista com Margareth Dalcolmo sobre a tuberculose multirresistente e leia aqui entrevista concedida pela pesquisadora sobre as iniciativas no combate à tuberculose.

Para discutir a nova tecnologia de diagnóstico da tuberculose, a Ensp/Fiocruz promoveu um encontro com pesquisadores da área. Nele, foi apresentado estudo realizado no Rio de Janeiro e em Manaus com o intuito de avaliar o impacto da implementação do teste na detecção de casos de TB pulmonar e identificação de tuberculose multirresistente. Os resultados apontaram aumento de 34% na detecção de casos de TB nas condições de rotina, em relação à baciloscopia de escarro.

Um dos fatores que dificultam o controle da tuberculose no país é a não adesão dos pacientes ao tratamento. Foi pensando nesta questão que o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) assinou contrato de transferência de tecnologia para a produção de um medicamento inovador contra a doença: o 4 em 1, uma combinação de medicamentos (Isoniazida + Rifampicina + Etambutol + Pirazinamida) que amplia a adesão ao tratamento e reduz as taxas de abandono.

Com o intuito de ajudar no fortalecimento do SUS e controle da tuberculose no país, a Ensp/Fiocruz criou o Observatório Tuberculose Brasil, que compõe a rede FIO-TB e reúne diversas unidades da Fundação. A proposta é articular as ações de pesquisa e serviço da instituição no campo. Todas as iniciativas do observatório irão ao encontro das Metas de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com participação ativa de movimentos sociais, em busca do enfrentamento dos determinantes sociais vinculados à tuberculose.

A Fundação tem um leque de projetos voltados à conscientização da população sobre a doença. Como parte integrante desse conjunto de iniciativas destaca-se a ação preventiva realizada em 2012 durante o Dia Mundial da Luta contra a Tuberculose pelo CRPHF/Ensp/Fiocruz, em parceria com as Secretarias Municipais de Educação e Saúde. Além de orientar a população sobre a doença, a ação, que foi direcionada aos alunos da 7ª Coordenadoria Regional de Educação e da comunidade de Jacarepaguá no Centro Municipal de Saúde Hamilton Land (CMS), pretendeu diagnosticar novos casos da enfermidade e resgatar os usuários que compõem os registros de abandono do tratamento.

Ainda entre os destaques da ação do CRPHF/Ensp/Fiocruz está a pesquisa desenvolvida com pesquisadores do Japão, que descreveram a espécie Mycobacterium kyorinense em 2009, que apresentou relato de amostras dessa espécie no Brasil.

Um estudo de epidemiologia molecular, desenvolvido pela Secretaria da Administração Penitenciária em parceria com o Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, e o CRPHF, ambos pertencentes à Ensp/Fiocruz e o Laboratório de Microbiologia Celular do IOC/Fiocruz, revelou situação preocupante quanto à circulação da doença em penitenciárias: 75% dos casos de tuberculose ocorridas em uma determinada prisão foram relativos a infecções recentes, possivelmente adquiridas no local. Os achados refletem necessidade de redução da superpopulação carcerária e de adoção de medidas para melhorarias na ventilação e iluminação natural das prisões.

Para combater de fato a tuberculose no Brasil, é preciso transformar ciência em inovação. A constatação é de estudo conduzido pelo pesquisador Alexandre Guimarães Vasconcellos, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e o diretor do CDTS/Fiocruz, Carlos Morel.  Publicado na edição de outubro do Plos One, periódico científico global de acesso livre, a pesquisa revela que, nos últimos anos, a produção de artigos científicos no país sobre a doença cresceu cerca de 12 vezes, mas, no entanto, a capacidade inovadora brasileira se mostrou deficiente.

 

Produção de conhecimento em tuberculose

Pacientes com HIV têm maior risco de desenvolver infecção por micobactéria não tuberculosa (MNT), problema que também pode acometer indivíduos que se submeteram a um processo cirúrgico. O crescimento da infecção pela bactéria no país instigou a doutoranda em Saúde Pública da Fiocruz PE, Andrea Santos, a desenvolver tese inédita sobre as infecções causadas por micobactérias não tuberculosas em Pernambuco. Nela, a pesquisadora vai traçar um panorama dos casos no estado, mapeando a distribuição geográfica, avaliando o perfil clínico, epidemiológico e laboratorial dos pacientes.  Por meio da análise de amostras clínicas de pacientes com suspeita de MNT, os resultados preliminares não revelam existência de surto da doença no estado e mostram que os três casos de infecção extrapulmonar identificados estão relacionados a cirurgias estéticas no seio e no abdômen. A pesquisa também aponta a micobactéria de crescimento lento (MCL) como responsável por 51% das cepas identificadas. O estudo será publicado esse ano.

Também focada na investigação sobre micobactérias não causadoras de tuberculose, o estudo do pesquisador Jesus Pais Ramos, do CRPHF/Ensp/Fiocruz, que identifica esses agentes por meio de diferentes marcadores moleculares, apontou que, das amostras analisadas, 48,84% apresentaram identificação inequívoca e 44,19% apresentaram resultados inconclusivos no nível de espécie.

Os fatores que interferem na cura de pacientes com tuberculose em Vitória (ES) foi o tema de uma das dissertações de mestrado apresentadas em fevereiro desse ano na Ensp/Fiocruz. Defendida pela aluna Paula Corrêa, a tese aponta que o uso de drogas ilícitas, o tratamento supervisionado por outros profissionais, a não indicação para o tratamento diretamente observado de curta duração (Dots), a testagem positiva para o HIV e a apresentação da forma da tuberculose pulmonar + extrapulmonar são os principais fatores associados à falha na cura da doença.

Já a tese Cenários futuros da tuberculose: reflexões e análises sobre a trajetória e percalços da biossegurança, riscos e sociedade, defendida no Ipec/Fiocruz, propõe a investigação da forma como a doença e a biossegurança têm sido abordadas e o que isso implica em projeções futuras. A tese apontou escassez de citações sobre as duas temáticas, necessidade de maior debate no âmbito da saúde e ainda indicou a análise histórica como importante fator de auxílio à melhor compreensão do quadro em que se encontra a manifestação da tuberculose atualmente.

Outro trabalho de destaque da Fundação no campo foi o estudo de um método molecular capaz de reduzir para 48 horas o intervalo de espera do resultado do exame de pacientes que não respondem ao tratamento. Esse resultado é essencial para a definição da mudança de medicamentos. O método, pesquisado pela bióloga Rosana Montenegro em sua tese de doutorado em Saúde Pública na Fiocruz Pernambuco, utiliza o mRNA (Ácido Ribonucleico mensageiro - RNA) 85B do Mycobacterium tuberculosis como identificador de cura. O RNA mensageiro só é detectado quando a tuberculose está ativa, apontando que não ocorreu melhora do paciente. Além disso, a tecnologia é mais ágil, não apresenta algumas limitações dos exames tradicionais e tem maior sensibilidade se comparado aos outros.

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